A inovação como única garantia contra a irrelevância

O pensador Gary Hamel falou sobre o tema no CHRO Forum

Grandes nomes do RH no Brasil, pensadores nacionais e internacionais, executivos e CEOs fizeram da primeira edição do CHRO Forum, promovido pela ABRH-SP em 11 de novembro, um grande sucesso. Questões como ESG, transformação digital humanizada, inovação e cultura organizacional estiveram em debate ao longo do evento, com diálogos relevantes e insights valiosos para os participantes. 

Considerado um dos pensadores de negócios mais influentes e iconoclastas do mundo, Gary Hamel conduziu a palestra magna de encerramento “A inovação é a única garantia contra a irrelevância”. Hamel, que já trabalhou com empresas líderes em todo o mundo e faz parte do corpo docente da London Business School há mais de 30 anos, começou a palestra lembrando que vivemos um momento muito difícil na história. 

Segundo ele, um estudo realizado em 28 países, incluindo o Brasil, apontou que as pessoas estão perdendo a fé nas instituições mais importantes da sociedade. Cada vez mais acreditam que o governo, as empresas e a mídia são instituições que funcionam para o benefício de poucos, não para a maioria. Como consequência, também estão perdendo a fé no capitalismo, em especial os jovens. “Cada pessoa quer ter mais oportunidades de equidade e justiça na vida e no trabalho. Então, precisamos criar locais de trabalho em que cada ser humano tenha a possibilidade de florescer.”

Nesse sentido, o empreendedorismo é a ferramenta mais poderosa disponível para melhorar a condição humana. O progresso não virá do governo, nem de organismos internacionais. A transformação acontece quando os empreendedores resolvem os problemas, a exemplo de empresas como Nubank, QuintoAndar, YouTube, Zoom, entre outras, que inovaram para melhorar a vida de cada um de nós. 

“Precisamos resolver problemas como a polarização política, o acesso desigual ao sistema de saúde, mudanças climáticas, tráfico de seres humanos e assim por diante com iniciativas e a engenhosidade humanas, que são a matéria-prima para o progresso. E é isso que cada um precisa libertar na própria empresa. Nesse momento há muito empreendedorismo ocorrendo no mundo todo. No ano passado, US$ 256 bilhões foram para novos negócios, financiando empresas jovens na área de saúde, serviços financeiros e mídia, que tentam mudar o mundo. Nos três primeiros trimestres de 2021, US$ 454 bilhões foram investidos em capital de risco”, disse Hamel.

No entanto, ele fez um alerta: “Neste momento no mundo todo quase 900 unicórnios valem pelo menos US$ 1 bilhão e pelo menos uma dezena deles fica no Brasil. Parecem números enormes, mas, nos Estados Unidos, todas as empresas unicórnio juntas representam só 3% das 500 maiores por valor de mercado. O Vale do Silício parece grande, mas tem uma participação muito pequena na economia global. Olhando o Brasil, as empresas unicórnio juntas valem mais ou menos US$ 57 bilhões. É um número grande, mas representa menos de 6% das ações negociadas em bolsa. O que quer dizer que o empreendedorismo e as startups são ótimos, mas não são suficientes, se a economia está nas mãos de empresas burocráticas e lentas.”

 

Quando a burocracia começa a crescer

Em uma startup com poucos recursos, cada funcionário pensa de forma criativa e está naturalmente aberto às ideias de fora, há pouca hierarquia, a opinião de todo mundo importa e todos têm responsabilidade financeira para o sucesso da empresa. No entanto, ela não fica assim por muito tempo. Da noite para o dia, empresas jovens e ambiciosas deixam de ser flexíveis e energizadas porque chegam a um certo nível de complexidade em que a burocracia começa a crescer mais rápido que a própria empresa e os líderes ficam cada vez mais isolados, com mais regras.

“As pessoas dizem que é inevitável, que a burocracia é o preço que se paga para ter uma empresa grande, mas acho que isso está errado”, enfatizou Hamel. A questão para o Brasil não é como criar mais startups, mas como infundir em cada empresa o espírito do empreendedorismo. “Há um motivo humano pelo qual precisamos fazer isso. O Instituto Gallup, em uma pesquisa sobre o engajamento dos funcionários, descobriu que, globalmente, só 20% dos colaboradores estão totalmente comprometidos com o trabalho deles. Pensem no desperdício extraordinário da capacidade humana, pois 80% das pessoas não estão emocionalmente presentes no trabalho ou intelectualmente engajadas. Menos de um em cada dez acredita que tem a liberdade de experimentar as ideias e ferramentas.”

Como ele explicou, não há nenhum trabalho no mundo que não exija nenhuma capacidade, que não possa ser feito de forma criativa, eficaz e com mais imaginação e ainda assim pressupomos que essas vagas são preenchidas por pessoas com baixa capacidade. “Não levamos a sério a opinião dessas pessoas. Não damos a chance de elas experimentarem, aprenderem, crescerem. Há milhões no Brasil sem nenhuma oportunidade ou incentivo. Quando elas simplesmente fazem a tarefa delas e nada além disso, concluímos que são commodities humanas. Isso é uma pressuposição trágica.”

Um estudo europeu com 34 mil organizações tentou entender o que determina se os funcionários usam as capacidades de resolução de problemas no trabalho, e eles descobriram que o fator mais importante não era a proficiência nem o treinamento, muito menos a ocupação, mas se eles tinham a oportunidade de fazer isso. É uma questão de como esse trabalho é construído. A autonomia está muito relacionada à criatividade e paixão. Quando isso é tirado, como as empresas fazem, as capacidades humanas são limitadas. Não adianta ter uma ótima lanchonete e excelentes benefícios quando a maioria ainda é tratada como escrava.

 

Como podemos liberar o espírito empreendedor em escala? 

Hoje toda empresa tem mais ou menos o mesmo modelo de administração: poder vindo de cima, estratégias definidas no topo, grandes e pequenos líderes, papéis muito definidos e limitados, muitas camadas de administração, todo mundo competindo com recursos limitados e pagamento de acordo com as posições que cada um ocupa. É impossível construir uma empresa resiliente, adaptável, criativa, que crie a melhor versão de cada ser humano, se continuarmos a usar esse modelo burocrático, com a autonomia para poucos às custas da maioria.

Mas será que dá para imaginar uma alternativa? Hamel deu exemplos de empresas ousadas que abandonaram o modelo burocrático. Uma fica na Holanda e é especializada em saúde domiciliar. A Buurtzorg conta com 16 mil enfermeiros oferecendo complexos serviços de saúde, em um mercado muito regulado, e que são divididos em equipes de 12 pessoas que operam como se fossem uma pequena empresa. Elas são responsáveis por encontrar o próprio escritório, recrutar os colegas, ter um plano de desenvolvimento de carreira… Todos os enfermeiros atendem aos pacientes, mas fazem também o trabalho de gerentes em uma parte do tempo e estão ligados por uma plataforma proprietária. Todos os dados de desempenho ficam disponíveis online e as equipes têm o compromisso de compartilhar suas experiências.

“A receita de transformar os funcionários em empreendedores tem um resultado mágico de liberar a capacidade humana no trabalho. Precisamos tirar a hierarquia da pirâmide, transformar as operações grandes em pequenas, investir no pensamento empresarial de todos os funcionários da linha de frente. As pessoas devem ser responsabilizadas pelos lucros e pelas perdas, não só pelas metas”, recomendou.

 

Como fazer a humanocracia

O mais difícil é se livrar da mentalidade antiga da burocracia. Os funcionários da Buurtzorg e de outras empresas pioneiras não frequentaram MBAs ou receberam treinamento da forma antiga de pensar. Crenças que herdamos da era industrial. Isso não funciona no mundo em que vivemos hoje. “A crença mais perigosa que herdamos da era industrial é a de que seres humanos são recursos. O termo recursos humanos está errado. Os seres humanos são cheios de recursos. Eles entram em uma empresa para ter um impacto no mundo.”

Então, como um diretor de RH pode contribuir para essa mudança radical? É preciso ter metas revolucionárias e passos evolucionários, um de cada vez. Se quiserem reinventar o modelo de administração da empresa, o RH deve convidar todo mundo para participar. Não é uma iniciativa de cima para baixo. No futuro, os sistemas e programas mais eficientes vão ser construídos socialmente. “Meu sonho é que daqui a alguns anos, nunca mais vamos falar de mudanças de cima para baixo”, concluiu.