Flexibilidade necessária

Wolnei Ferreira, cofundador do CORHALE e diretor Jurídico da ABRH-Brasil, comenta pontos críticos das mudanças que estão por vir com a reforma trabalhista

 

A aprovação do texto da reforma trabalhista pela Câmara dos Deputados e a regulamentação da terceirização com a Lei 13.429/2017 suscitaram polêmicas no país. Se, de um lado, os empregadores acreditam que a flexibilização das relações trabalhistas pode gerar milhões de novas vagas, de outro, centrais sindicais afirmam que o emprego será precarizado. Nesta entrevista, o diretor Jurídico da ABRH-Brasil, Wolnei Tadeu Ferreira, que é cofundador do CORHALE, comenta alguns pontos críticos das mudanças que estão por vir.

 

Muitos afirmam que, com a Lei da Terceirização, as empresas poderão optar por alternativas de contratação na atividade-fim menos onerosas e mais flexíveis do que a CLT. Isso pode acontecer?
WOLNEI FERREIRA – Há um claro engano nessa posição, pois a terceirização é uma estratégia de negócio e não uma política de emprego. Já é realidade na maioria dos países sem depender de regulamentação, porque terceirizar não é uma decisão de simples transferência de atividades. Envolve estratégia de negócios e melhoria de processos, entre outros fatores. Precarizado era o empregado antes da regulamentação. A lei 13.429 trouxe mais segurança jurídica ao empregado e às empresas, tanto para quem fornece a mão de obra, como para quem toma esse serviço. Terceirizar sem uma análise correta e responsável certamente trará ainda mais prejuízos às empresas.

 

Também afirma-se que, na reforma trabalhista, a prevalência da negociação sobre a legislação favorecerá as empresas, pois o trabalhador é, em geral, o lado mais fraco da corda. O que dizer dessa afirmativa?
WF – Ora, essa é outra lenda que precisa ser desmistificada. Hoje em dia, sindicatos negociam reajustes salariais, programas de participação nos lucros e resultados, programas de demissão voluntária, demissões coletivas, jornadas de trabalho e banco de horas, entre outras tantas situações. Todas importantes e valiosas. Em 2016, foram mais de 40 mil negociações registradas no Ministério do Trabalho. Em nenhum desses casos alegou-se fragilidade negocial, ou seja, isso não existe. A reforma trabalhista em debate vai privilegiar ainda mais esse quadro ao conduzir a relação primeiro para as empresas e depois para os sindicatos patronais. Isso só aproximará os sindicatos laborais das empresas e aumentará a confiabilidade. Nos aspectos individuais, só se admitirá o aceite do empregado se ele quiser, como, por exemplo, no banco de horas, no fracionamento das férias, no tempo disponível para o trabalho, etc. Até podem ocorrer, como hoje já ocorrem, momentos de fragilização, mas qualquer abuso pode ser denunciado ao sindicato, ao Ministério do Trabalho e ao Ministério Público do Trabalho sem que o trabalhador precise se identificar. Além disso, a reforma regula a representação interna nas empresas com objetivo de acompanhar esses assuntos internamente, o que amplia a segurança aos empregados. Há proteção total nesse sentido.

 

O fim da contribuição sindical pode influenciar na relação dos sindicatos com as empresas e os funcionários?
WF – É muito provável que, se isso for aprovado, haja um movimento grande de união entre sindicatos, fortalecendo muito sua representação, pois eles passarão a ter uma legitimidade nunca antes existente. Com isso, as empresas precisarão se preparar muito mais para as negociações, a fim de evitar conflitos. Será necessário unirem-se ainda mais às suas entidades representativas para fortalecê-las e contar com profissionais preparados para a defesa do segmento.

 

A forma como está disposto o trabalho remoto dará segurança jurídica às empresas?
WF – O trabalho remoto, ou teletrabalho, foi abordado de forma simples na reforma, mas muito bem elaborada. Está totalmente alinhado às orientações da OIT [Organização Internacional do Trabalho]. Traz toda a segurança necessária para sua adoção e aproveita bastante as experiências bem-sucedidas no setor público, no qual diversos órgãos já praticam essa modalidade e puderam testemunhar o seu sucesso. Como novidades, o texto da reforma acrescenta a dispensa de controle da jornada realizada em teletrabalho por ser exercida externamente à empresa, passa a exigir contratação escrita e a demandar contratação expressa quanto às despesas necessárias para realizá-lo e estipula as condições para reverter de presencial para teletrabalho e vice-versa, além de requerer ostensiva orientação na parte de saúde e segurança no trabalho. Por fim, inclui o item como passível de ser negociado pelos sindicatos com as empresas que adotem a alternativa. Concluindo: previsão singela, mas saudável.

 

E quanto ao trabalho intermitente?
WF – Essa modalidade deve ser direcionada a atividades que não possuem exatidão de quando serão realizadas, mas acontecem em momentos determinados, como serviços de bufê e festas; turismo, especialmente em altas temporadas; situações ocasionais de festas e feriados; restaurantes; clubes; feiras e congressos, etc. Certamente, isso vai gerar um volume enorme de empregados que, por ser situação não prevista legalmente, estava fora da formalidade. A regulamentação trará mais proteção ao trabalhador e, também, os devidos direitos. Para as empresas, significará maior tranquilidade e segurança na contratação e possibilitará ter custos mais adequados, mão de obra mais qualificada e competitividade, pois poderão realizar melhor seus serviços.

 

O texto da reforma “endurece” a tolerância com a ausência do trabalhador nas audiências de ações trabalhistas. Isso se refletirá na Justiça do Trabalho?
WF – A reforma deverá trazer maior moralidade ao processo trabalhista, evitando ações aventureiras ou superdimensionadas para forçar um acordo. A cobrança de custas, perícias, honorários e litigância de má-fé já é um procedimento comum na esfera cível e, agora, poderá passar a ser aplicada na esfera trabalhista. Isso evitará ações e certamente conterá o volume monstruoso de ações sem fundamento. A Justiça do Trabalho passará a ser mais célere e também mais técnica na avaliação.

 

PV – Previsto na reforma, o fim do pagamento das horas in itinere, ou seja, no deslocamento do trabalhador para ir e voltar da empresa terá que tipo de impacto?
WF – Atualmente, as horas in itinere são aplicadas através de súmulas e jurisprudências dos tribunais, o que traz insegurança. É uma situação injusta: a empresa oferece um transporte que publicamente não existe, com mais conforto, segurança e proteção, e é penalizada ao ter que pagar horas extras por isso. Com sua regulação, as empresas que evitavam contratar transporte particular o farão com tranquilidade, portanto, a tendência é que esse serviço seja ampliado. Para os empregados, a medida nada afeta, pois terão essa vantagem, sem, no entanto, receber hora extra por ela.

 

A proposta da reforma deixou de fora algum aspecto que frustre o RH das empresas?
WF – É provável, no ambiente empresarial geral, que alguma coisa tenha ficado de fora, mas a possibilidade da negociação valer acima da lei possibilita corrigir tais fatos. Assim, ainda que algo tenha ficado de fora, poderá ser trabalhado diretamente pela empresa com a representação interna dos empregados ou com seus sindicatos.

 

Que outros pontos da reforma merecem destaque?
WF – A questão do trabalho insalubre para a mulher, o fracionamento de férias, o banco de horas, as jornadas parciais ou 12×36 e, ainda, o cômputo do tempo efetivo de trabalho, que não mais ocorrerá quando o empregado permanecer na empresa por seu interesse, regulam situações que levavam muitos empregados a reclamarem na Justiça. Por fim, a questão do fim das homologações de rescisões contratuais e mesmo os acordos extrajudiciais e sua possibilidade de homologar na Justiça do Trabalho são outros pontos que merecem destaque.

 

Se pudesse alterar algo, o que mudaria?
WF – Bem, a lei da terceirização é muito recente e ainda está sendo melhor estudada. O ponto de confirmação de sua aplicação nas atividades-fim das empresas e mesmo a quarentena de 18 meses prevista na reforma trabalhista nos parecem itens que merecem ser previstos e alterados. A reforma, que nasceu tímida, foi resultado de muito debate com os envolvidos e, quero crer, trouxe um rompimento importante no conceito de empregabilidade, através da melhoria da segurança jurídica, valorização da negociação sindical coletiva, representação dos empregados e, ainda, um certo afastamento do judiciário, de forma que suas repercussões serão enormes e só o tempo dirá que aperfeiçoamento se fará necessário.

 

Foto de abertura: Fredy Uehara
Entrevista publicada originalmente em 18/05/2017, no Pessoas de ValoRH, informativo da ABRH-Brasil publicado no jornal O Estado de S. Paulo