Investigação do Cade na pauta do RH

ABRH-SP tem programado eventos a respeito do tema

Recentemente, os profissionais de Recursos Humanos foram surpreendidos com a investigação instaurada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a respeito das trocas de informações entre as áreas de RH das empresas que poderiam configurar práticas anticompetitivas no mercado. A abertura do inquérito, que teve bastante repercussão na imprensa, tem sido observada e analisada pela ABRH-SP. A Associação publicou um manifesto sobre o tema (leia aqui) e tem programado eventos a respeito do assunto para compartilhar informações e conhecimento com seus associados e a comunidade de RH.

Realizado no último dia 30 pela Regional Campinas, o webinar O que está na pauta dos gestores de RH? debateu os termos da investigação. Participaram do evento dr. Carlos Silva, diretor Jurídico da ABRH-SP e advogado especialista em Relações do Trabalho e Sindicais, e dra. Veridiana Police, diretora Jurídica da Regional Campinas e sócia do escritório Finocchio & Ustra. Lia Ferreira, diretora da Regional, foi a moderadora. Os convidados responderam a uma série de questionamentos sobre o tema. Confira a seguir:

 

Qual é a função do Cade?

Dra. Veridiana – O Cade é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, cuja função é a defesa da livre concorrência em todo o território nacional. O Cade tem a responsabilidade de coibir as condutas que violam a competitividade no mercado brasileiro. Para que haja essa livre concorrência, protegida pela Constituição, a lei vai reprimir o abuso do poder econômico, que visa à dominação dos mercados. As atribuições do Cade estão definidas na Lei de Defesa da Concorrência e se desenvolvem em três eixos: preventivamente, de forma repressiva e de forma educativa. Em resumo, o Cade tem o papel tutelador de prevenir e reprimir toda a sorte de abuso do poder econômico.

 

Que práticas de RH estão sendo investigadas?

Dra. Veridiana – O procedimento aberto pelo Cade em meados de março tem o escopo de investigar a formação de um possível cartel entre departamentos de RH de empresas de um determinado setor de saúde. Nesse primeiro momento há uma suposição de adoção de algumas práticas anticompetitivas, como o compartilhamento de dados sensíveis relacionados a salários, reajustes e benefícios, que, a depender da investigação, poderiam sinalizar acordos de fixação de remuneração e acordos de não contratação de trabalhadores. Trata-se apenas de uma suspeita de que poderia ter havido uma forma coordenada entre profissionais de RH dessas empresas no sentido de estabelecer condições de contratação de mão de obra. Do mesmo modo que a gente entende que a competitividade no âmbito de produtos proporciona melhores condições de escolha para todos os consumidores, a concorrência entre empregadores, olhada pelo prisma do empregado, também levaria a melhores condições de salários e benefícios, e a maiores oportunidades de trabalho em última análise. Para mim, essa investigação, independentemente do desfecho, talvez já sinalize o reconhecimento de que os trabalhadores são ativos tão importantes quanto a estratégia comercial, o segredo industrial e a política de preços, e esse enfoque vindo do Cade é de fato inédito.

 

O que já se sabe da investigação?

Dr. Carlos – Trata-se de um inquérito administrativo ainda no início, que deve demorar bastante tempo, sem dúvida. Esse inquérito quer apurar se há ou não caracterização de descumprimento à lei que busca desencorajar condutas anticompetitivas derivadas do abuso do poder de mercado por organizações detentoras desse tal poder. A tipificação dos atos, porém, não está na lei. Ela fica a critério dos conselheiros. O inquérito foi aberto a partir de um acordo de leniência firmado entre a Procuradoria do Distrito Federal e empresas envolvidas em fraudes de licitação, que diziam respeito ao fornecimento de equipamentos hospitalares. Nesse acordo de leniência, uma das empresas declarou que também realizava pesquisas e trocas de informações de salários e benefícios. Por essa razão, o inquérito foi aberto. Segundo a Nota Técnica sobre o inquérito, há o envolvimento de 36 empresas e 108 profissionais de RH, que foram intimados a oferecer suas defesas. O Cade ainda está investigando se de fato tais informações trocadas relativamente a salários e benefícios são sensíveis a ponto de serem caracterizadas como uma infração anticompetitiva. As empresas e os profissionais listados apresentaram as suas considerações e defesas. E não tenham dúvida de que eles disseram que essa troca é habitual, do uso e costume, e saudável. 

 

A investigação pode se estender para outras práticas de RH, como o benchmark, por exemplo?

Dra. Veridiana – A princípio, as boas práticas de RH não violam absolutamente nada. É preciso entender o que viola a lei. A investigação do Cade vai mostrar o quanto eventuais acordos para fixação de salários e acordos para não contratação impactam o próprio trabalhador, que fica ali limitado na hora de buscar uma posição no mercado em um nicho específico de atividade. É isso o que a gente vai ter de entender como o Cade vai ler. Mas vamos ver o copo cheio: as boas práticas vão continuar. Elas precisam continuar. O que precisa ser repelido é se eventualmente tiver algo que viola o ordenamento jurídico. 

 

Dr. Carlos – As empresas ainda hoje fazem pesquisas na hora da contratação de algum colaborador, tiram referências, ligam para a empresa onde ele trabalhava anteriormente. Isso deve continuar. Não vejo como uma prática anticompetitiva. Existe ainda o benchmark, que nós sentimos como absolutamente saudável até porque desse benchmark participa aquele que quiser, mas não deixa de ser uma troca de informações entre organizações. Sobre isso o Cade também deve se manifestar. Na gestão das relações de trabalho há algumas situações interessantes. Por exemplo, invariavelmente, as convenções coletivas de trabalho têm cláusulas estabelecendo piso salarial, assim como vários benefícios, como o valor de vale-refeição, cesta básica, seguro de vida, entre outros. Fica a pergunta: como o Cade demonstrará que a troca de informações sobre salários e benefícios precariza a contratação de mão de obra nesse caso? Atualmente existem contratos com  cláusulas que dispõem sobre o não aliciamento de empregados e prestadores de serviços. É comum contratos que preveem que a tomadora de serviços não alicie empregados da prestadora de serviços. Isso está previsto inclusive no Código Civil. Há também cláusulas de confidencialidade feitas não só com prestadoras de serviços, como também com os próprios empregados. Como o Cade vai se posicionar em relação a tudo isso?

 

Como a área de Remuneração pode ser afetada caso a investigação entenda que a troca de informações entre as empresas constitui uma infração? 

Dr. Carlos – Não vai se declarar aqui a morte da área de Remuneração. A administração de cargos e salários dentro das organizações continuará a existir. Se essa troca se configurar como uma infração da lei da livre concorrência, as empresas poderão utilizar pesquisas salariais feitas por organizações especializadas que darão a temperatura dos salários de determinadas funções sem individualizar esta ou aquela empresa ou este ou aquele funcionário.

 

Quais as recomendações de vocês nesse primeiro momento?

Dr. Carlos – Estamos diante de uma situação em que as práticas de Recursos Humanos e de outras áreas estão sob análise e aguardam um parecer do Cade. Nós recomendamos que as empresas não se apavorem e que os gestores de RH não se apavorem. É o início de uma investigação que tomará tempo. O Cade vai se debruçar sobre o assunto. De toda forma, é prudente, neste momento, as empresas usarem apenas as pesquisas oficiais de mercado efetuadas por instituições especializadas, que mantenham o anonimato e não tenham o relacionamento direto com este ou aquele colaborador.