Todos são pessoas

Nas relações de trabalho todos são pessoas. Pessoa física, a pessoa do trabalhador. Pessoa jurídica, a pessoa do empregador. Antes de ser jurídica, é também uma pessoa, como o nome diz. Portanto, todos são pessoas, cada uma com sua peculiaridade.

Se assim é e se quisermos compreender o complexo universo das relações do trabalho, então é recomendável que olhemos para as pessoas. Fica a sugestão para quem deseja ter sucesso, principalmente o empreendedor, no seu negócio: olhe para as pessoas; invista nas pessoas; ouça as pessoas e preste atenção no que elas dizem e fazem. É simples e complicado assim. Simples porque a mensagem é clara; complicado porque, apesar de clara, poucos dão importância a ela. Vejam a dimensão das pessoas nas empresas.

Alguém disse certa vez que “uma empresa é um CNPJ cheio de CPFs dentro”. 

Se assim é, então devemos entender o que sentem, dizem e pensam os CPFs dentro das empresas, que são os trabalhadores. Entender onde estão suas satisfações e principalmente suas inseguranças, frustrações e dificuldades no trabalho. Este é o primeiro passo para compreendermos de que forma podemos harmonizar as relações de trabalho, já que sua desarmonia tem custos incalculáveis tanto para empregados quanto para empregadores. Sabemos no que pode se transformar um desentendimento trabalhista. 

E o que significa entender, ouvir os CPFs na empresa? Significa, inicialmente, a pessoa jurídica abrir canais efetivos de comunicação que possam captar principalmente as tristezas e insatisfações da pessoa física – o trabalhador. Não compreender isso significa vulnerabilizar o empreendimento econômico. Explico.

Qual o sinônimo de “ação trabalhista”? “Reclamação trabalhista”. Notem que a palavra “reclamação” tem três palavras. A primeira é “clamar”. Quem clama é aquele que quer ser ouvido – o trabalhador. Mas, se ele clama e não é ouvido, passa a clamar várias vezes, que é “reclamar”. Mas, se a pessoa jurídica não tem capacidade de ouvi-lo clamar e reclamar, esta pessoa física, o trabalhador, pode se cansar e reclamar não mais dentro, mas fora da empresa, na frente do juiz do trabalho, por exemplo. É nessa hora que a coisa toda se transforma numa ação, a “reclamação” trabalhista, só que feita para o juiz do trabalho. 

Este é o resultado para a pessoa jurídica que não ouviu a reclamação das suas pessoas físicas, não se comunicou com elas. Sabemos que uma pessoa física insatisfeita, ou um trabalhador insatisfeito, é uma potencial ação, ou pior, uma denúncia para o sindicato laboral, ou, ainda, uma denúncia para a fiscalização do trabalho ou para o Ministério Público do Trabalho.

A comunicação é elemento essencial para a segurança jurídica trabalhista de uma pessoa jurídica. E comunicação é a capacidade, por exemplo, de ouvir as reclamações das pessoas físicas, dos trabalhadores, para poder saná-las, preveni-las. Comunicação é a possibilidade de a pessoa jurídica poder, sim, transmitir o que quer, mas principalmente “ouvir o que não quer” para que possa “matar no ninho” os problemas trabalhistas. 

A comunicação é uma das ferramentas mais poderosas para se evitar ou prevenir problemas trabalhistas. Afinal, uma pessoa física insatisfeita, um trabalhador insatisfeito, que a pessoa jurídica não ouve, é um potencial problema trabalhista, que, não raro, pode ferir irremediavelmente a pessoa jurídica. Hoje as ações trabalhistas podem causar não só danos econômicos às pessoas jurídicas, mas também danos à sua imagem, e estes costumam ser irreversíveis. 

E do lado das pessoas jurídicas, o que poderíamos dizer? A legislação trabalhista brasileira é uma das mais onerosas e intrincadas do planeta. Para se ter ideia do que é ser uma pessoa jurídica no Brasil, aquela que contrata empregados, não é preciso ir longe. Experimente você, que está lendo este artigo, constituir uma pessoa jurídica, empreender e cumprir todas as obrigações legais, principalmente as trabalhistas. Conheço muitos que apontam o dedo para as pessoas jurídicas que não cumprem a legislação trabalhista. Mas lógico que não se transige com a lei. Lei é lei, precisa ser cumprida. Mas não é fácil, para quem deseja ter uma pessoa jurídica, gerar renda e distribuir riquezas. Parte significativa das pessoas jurídicas no Brasil é composta por micro e pequenos empreendimentos, que sofrem barbaridades para cumprir todas as regras trabalhistas. As pessoas jurídicas maiores também. Estas são as dores das pessoas jurídicas, além de outras, como burocracia, sistema tributário complexo, contabilidade intrincada, encargos sociais, mão de obra com pouca instrução, etc.

É esta a dor da pessoa jurídica: ter que arcar com os custos do trabalho, que aqui no Brasil são altíssimos, enfrentar um sistema tributário que suga parte de seu faturamento e ainda ter que lidar com todas as leis que incidem sobre o negócio, para não falar da alta insegurança jurídica, em especial no âmbito trabalhista, que inferniza sua vida. Ser uma pessoa jurídica aqui no Brasil é um ato de coragem; ser uma pessoa física, trabalhador, também. Como disse no início deste artigo, precisamos olhar para as duas pessoas. Afinal, o trabalhador também é vítima deste sistema. 

E, quando a pessoa jurídica sofre, a pessoa física também sofre. Isto é inexorável porque a empresa é um organismo vivo, feito de pessoas. Quando a pessoa física do trabalhador sofre, a pessoa jurídica também sofre. Quando a pessoa jurídica sofre porque uma pandemia se abateu sobre ela, por exemplo, quem sofre junto são as pessoas físicas. As relações de trabalho são um compromisso entre duas pessoas, e elas são regradas por ele para o bem e para o mal. É certo que a pessoa física do trabalhador está em situação economicamente mais frágil em comparação com a da pessoa jurídica. Por isso penso que seu sofrimento seja maior. Mas ambas, em maior ou menor grau, sofrem as agruras e a felicidade do relacionamento do trabalho.

Compreender que as pessoas jurídicas e as pessoas físicas estão irremediavelmente entrelaçadas nesta relação que se chama “trabalho” é entender que o bem-estar de uma depende do bem-estar da outra. As duas precisam estar saudáveis para que as duas prosperem. 

Mas quem é que tem que dar conta de toda esta complexidade contida nas relações de trabalho? Outras pessoas: as que fazem a gestão de pessoas, ou o RH. É sobre ele que recai esta carga brutal de o empreendimento funcionar harmonicamente, com o mínimo de conflito, de as necessidades de todas as pessoas que dele participam serem atendidas. É o RH que precisa fazer ginástica para compreender a dor do trabalhador e a do empregador.

Quando há uma boa gestão dos aspectos trabalhistas, o ambiente de trabalho se torna pacífico, com poucos problemas trabalhistas, ou com problemas de solução rápida e eficaz. Assim penso, pois afinal todos são pessoas, e pessoas precisam, dentre muitas necessidades, de um bom ambiente de trabalho e boa comunicação para continuar coexistindo. 

Pessoas jurídicas e físicas estão irremediavelmente vinculadas nesta condição enquanto durar este relacionamento, que se chama relação do trabalho. 

Os artigos publicados nesta seção são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente refletem a posição do CORHALE.

José Eduardo Gibello Pastore

José Eduardo Gibello Pastore

Sócio da Pastore Advogados, é mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP e advogado trabalhista.