Reflexões sobre o adicional de periculosidade

Tenho observado que, nos últimos meses, o adicional de periculosidade foi criado para diversas categorias profissionais. Nada contra, porém alguns aspectos carecem de análises, questionamentos e debates que esclareçam pontos obscuros e seus respectivos reflexos, principalmente na relação capital x trabalho.

Um bom início para o encaminhamento deste assunto é citarmos que a Constituição da República Federativa do Brasil fundamenta, em Estado Democrático de Direito, Princípios Fundamentais, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária com o objetivo de garantir o desenvolvimento nacional. Ainda, prevê a Carta Magna, que é livre o exercício de qualquer profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Assim fica mantido um dos direitos sociais, além da melhoria da condição social.

Portanto, definidos os direitos e deveres, quer sejam individuais e/ou coletivos, e os direitos sociais, a norma pátria incluiu nos direitos e garantias fundamentais a obrigação da redução dos riscos inerentes ao trabalho através de normas professadas por órgãos oficiais de segurança e medicina do trabalho, e que, ao exercício de atividades penosas, insalubres ou perigosas, está garantido o percebimento de uma remuneração adicional.

Ao citarmos as atividades penosas, insalubres ou perigosas, torna-se imperiosa a realização de comentários ao Artigo 193, do Decreto Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com relação às atividades ou operações perigosas, que impliquem o contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado. Assim considerado, em condições de periculosidade, deverá assegurar ao trabalhador um adicional 30% (trinta por cento) sobre o salário – não vamos entrar no mérito, se sobre salário ou remuneração. Vide Art. 193 e parágrafo 1º, da CLT.

Recentemente, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), através de portaria, possibilitou a implementação do adicional de periculosidade para motoboys. Também está em análise, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), o Projeto de Lei do Senado (PLS) que concede adicional de periculosidade a jornalistas, em que o valor do adicional será de 10%, desde que o trabalhador tenha realizado cobertura de eventos de risco, durante, pelo menos, três jornadas de trabalho diárias.

No caso dos motoboys, tive a oportunidade de assistir a uma entrevista de um empregador alegando não ter condições de absorver o pagamento do adicional, em função do número de trabalhadores existentes em sua empresa, e que não teria como repassar o custo para os contratos vigentes. Segundo ele, o único caminho seria fazer a dispensa de, aproximadamente, 50% do quadro para garantir o pagamento do referido adicional aos 50% restantes na empresa. Certamente, os trabalhadores devem virar Pessoas Jurídicas (PJ) para não perderem o emprego e outros encaminharão a lide para a Justiça do Trabalho.

Quanto aos jornalistas, o projeto determina que o adicional será de 10% e somente terá direito o trabalhador que se expuser a eventos de risco durante, pelo menos, três jornadas de trabalho diárias, ou seja, ganha quando for ou quando estiver exposto, isto é “taxiamento”. Acompanhei várias decisões judiciais em que ficou estabelecido o pagamento do adicional de 30% (trinta por cento) e o não pagamento eventual.

Outro ponto que deveremos considerar são as áreas da segurança do trabalho e da medicina do trabalho, que tratam da proteção física e mental do trabalhador, das doenças profissionais e dos acidentes do trabalho, aliás é responsabilidade do empregador a caracterização ou a descaracterização da periculosidade através de laudo elaborado pelas áreas citadas. Vejo aqui mais um possível ponto de conflito, quando o trabalhador entender que faz jus ao adicional e a empresa tiver opinião contrária. É verdadeiro que a pendência será questionada na justiça laboral ou as empresas ou sindicatos que possuírem a Comissão de Conciliação Prévia (CCP), Lei nº 9958, de 12 de janeiro de 2000 e Art. 625-D da CLT, que poderá atender a demanda desta natureza. Também lembrando que as responsabilidades mínimas estão distribuídas, como indicadas:

Trabalhadores:  observar as normas de segurança e medicina do trabalho; evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; observar as orientações, instruções e os treinamentos repassados pelo empregador; usar os equipamentos de proteção individual (EPI) fornecidos pelo empregador; estar ciente de que constitui ato faltoso do trabalhador a recusa do uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pelo empregador, chegando em alguns casos à dispensa por justa causa; e poder solicitar a rescisão indireta, Art. 483 da CLT, com a devida indenização, quando o empregador não cumprir as obrigações do contrato.

Empregadores: repassar aos trabalhadores orientações, instruções e treinamentos; fornecer equipamentos de proteção individual (EPI) gratuitamente; constituir Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA); e oferecer exame médico na admissão, na demissão e periodicamente.

E para você, caro leitor, deixo as seguintes reflexões:

Quando o trabalhador for uma Pessoa Jurídica (PJ), como fica o percebimento do adicional? Quais são os impactos para a empresa quanto ao Seguro de Acidente do Trabalho (SAT)? Quais são os impactos para a empresa quanto à aplicação ou mudança do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), no grau/risco, tipo de risco e percentual de contribuição? O programa eSocial não altera a lei, porém, caso seja aprovado o adicional de periculosidade para jornalista, no percentual de 10%, como inserir dados no programa se a lei indica 30%?

 

Os artigos publicados no Radar CORHALE são de inteira responsabilidade de seus autores, bem como os conceitos e opiniões neles emitidos.   

José Luiz Borges Andreoli

José Luiz Borges Andreoli

Graduado em Economia com pós-graduação em Engenharia Econômica/ Materiais e Equipamentos Elétricos e Economia, é representante das Classes Trabalhadoras no Conselho Universitário da USP e no Comitê Técnico Profissional no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo/Ministério da Educação. Diretor no Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Energia Elétrica de São Paulo e diretor na Federação Nacional dos Trabalhadores em Energia, Água e Meio Ambiente.