O legislador brasileiro e a inversão de valores
Toda sociedade democrática exige representatividade na vida política para sustentar a liberdade como valor de sua existência. A manutenção do parlamento brasileiro nos impõe um custo que não podemos prescindir em defesa dessa liberdade. Há, no entanto, um custo ainda maior, que por vezes tais representantes nos impõem por se esquecerem dos papéis que cabem a cada uma das partes envolvidas.
É o caso do atual projeto de lei 6.050 de 2016 proposto pela deputada Erika Kokay, do Distrito Federal. A deputada propõe que se enfatize, através de parágrafo único do artigo 154 da CLT, que “serão aplicadas indistintamente, no que couber, aos trabalhadores que exercem as suas atividades em áreas externas” todas as normas previstas no Capítulo V que trata da Segurança e Medicina do Trabalho.
A deputada dedica a sua atenção em especial aos garis, “que se veem obrigados a trabalhar muitas vezes sem ter acesso a banheiro, a local de refeição e até mesmo, sem água potável”. E remete à obrigação da empresa prestadora dos serviços, em função dos riscos inerentes a qualquer empreendimento empresarial, a apresentar soluções para o cumprimento das obrigações trabalhistas. Simples assim. Para tanto coloca em lei algo que antes do empresário cabe ao Estado responder.
Parece-nos que a deputada desconhece que mais de 50% da população brasileira prescinde de água e esgoto encanados. Parece desconhecer também que nenhuma capital brasileira possui mais que três banheiros públicos à disposição, não apenas dos garis, mas da população em geral! Ora, a quem cabe a responsabilidade pelo cumprimento dessas obrigações minimamente para ter níveis descentes de urbanidade? Cabe ao Estado!
Parece, no entanto, mais fácil cobrar do empreendedor como se pudesse ele, legalmente, sair construindo banheiros para atender aos nossos nobres garis. Nobres, sim, pois realizam uma atividade extremamente penosa e digna de todo o nosso respeito. Mas daí transferir à iniciativa privada a responsabilidade, vai distância.
Poderia a nobre deputada propor a redução de cadeiras parlamentares nos níveis estadual e federal, diminuindo o custo da máquina estatal. Com certeza, e tendo uma decente administração, sobraria recurso para a construção de sanitários públicos e outros aparatos em benefício da população.
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