Efeitos do plano de demissão voluntária na quitação geral do contrato de trabalho

As relações individuais e coletivas produzem efeitos diferentes nas relações de trabalho e, ao que parece, ainda vão ocupar as discussões jurídicas nas questões envolvendo os direitos atingidos no âmbito de cada uma e a adequação instrumental que permita sua compreensão e redução da litigiosidade.

Assim, a desigualdade econômica da relação, no âmbito individual entre empregador e empregado, impôs ao legislador a tutela especial da manifestação da vontade do empregado na vigência do contrato de trabalho. Neste sentido, a CLT, no artigo 468, dispôs, sem limites, da nulidade da alteração prejudicial ao empregado, convocando a aplicação do artigo 9º, sobre a nulidade de atos. Na mesma orientação foi a Súmula 310 do TST que reconheceu a quitação de direitos trabalhistas inseridos no TRCT, por ocasião da rescisão contratual, nos limites dos valores das verbas liquidadas, oportunizando aos empregados o pleito de diferenças por meio de ação judicial própria.

De outra maneira, observa-se que, quando se trata de relações coletivas de trabalho, os princípios a serem observados são outros, impondo-se a vontade do coletivo dos trabalhadores reunidos em assembleia sobre os interesses individuais. Neste sentido, o artigo 8º, §3º, da CLT, inserido pela reforma trabalhista, Lei nº 13.467/17, e que submete a decisão à observação do respeito ao princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva, esclarece que o campo de aplicação do Direito Material e do Direito Coletivo seguem regras distintas.

No primeiro caso, em que o Direito Material se aplica, estão sob o campo de proteção as manifestações de caráter individual e interferem diretamente no contrato de trabalho e suas garantias. É o caso de regulamento de empresa e outras normas de origem por ato do empregador, em que ele assume com exclusividade a responsabilidade pelo que pretendeu dizer e seus efeitos sobre as relações individuais de trabalho. E isso porque se encontra o empregador no exercício do poder disciplinar e diretivo carregado de natureza unilateral do qual o empregado não participa.

O exemplo claro que a jurisprudência do TST trouxe, em notícia publicada no dia 26/10/2021, no sítio da corte, diz respeito ao Plano de Demissão Voluntário, organizado e instituído exclusivamente pelo empregador e os efeitos jurídicos que produz.

Tratou-se de decisão da Oitava Turma que não reconheceu que PDVI pudesse quitar de forma ampla e irrestrita o contrato de trabalho, fundamentando-se na ausência de norma coletiva sobre o tema e, por consequência, ausente que esteve o sindicato (Processo: RRAg-1583-14.2017.5.10.0004).

A ministra relatora, Delaíde Miranda Arantes, lembrou a tese de repercussão geral trazida pelo STF segundo a qual “a transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado”. (STF, RE-590415, relator ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 30.4.2015.)

O elemento divisor da interpretação jurídica está claro: são dois os aspectos a considerar e que envolvem a origem da norma.

O primeiro relativo à fonte produtora da norma, ou seja, por ato do empregador insere-se no âmbito do Direito Material e dos contratos individuais de trabalho. A manifestação do empregado, ao aderir à proposta do plano, equivale à quitação restritiva das verbas e valores respectivos, a teor da Súmula 310, do TST, não atingindo a quitação ampla e geral dos contratos e permite ao empregado vindicar reparação de direitos. Não é contrato, mas ato unilateral do empregador.

O segundo aspecto traz a magia do direito coletivo, da norma coletiva de natureza abstrata e geral que se impõe aos que por ela decidiram. O mesmo instrumento PDV, se celebrado em respeito às normas coletivas, adquire legitimidade e as consequências jurídicas são diversas. Estão presentes a valorização da negociação coletiva e da participação sindical, o respeito à manifestação da autonomia da vontade coletiva em que, necessariamente, por decisão assemblear, os trabalhadores, de modo responsável, se manifestaram e autorizaram a celebração do acordo coletivo com efeitos para quitação geral do contrato de trabalho.

Em outras palavras, a natureza jurídica da norma coletiva é dissociada dos direitos individuais e as condições inseridas em PDV permanecem na esfera normativa abstrata e não se confundem com as obrigações geradas nos contratos individuais de trabalho.

Vale lembrar Carnelutti que caracterizou a convenção coletiva de trabalho, aplicável ao acordo coletivo, de natureza híbrida, afirmando ter corpo de contrato e alma de lei. Contrato que regula as relações de trabalho e se consolida pela validade do negócio jurídico nos termos do artigo 104 do Código Civil.

Os artigos publicados nesta seção são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente refletem a posição do CORHALE.

Paulo Sergio João

Paulo Sergio João

Advogado e professor de Direito do Trabalho da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).