Novas perspectivas nas relações coletivas de trabalho

Nunca é demais tratar dos temas e dos conteúdos transformadores que a reforma trabalhista trouxe com as leis 13.429 e 13.467, ambas de 2017. A segunda lei, ao contrário da primeira, que foi pontual na modalidade trabalho temporário e prestação de serviços, foi mais ampla e, necessariamente, obriga a todos que se dedicam ao Direito do Trabalho estudo repetitivo e reflexões dos seus efeitos para a construção de um novo paradigma de entendimentos e de ajustes de interesses.

No âmbito das relações coletivas, a reforma se pauta na mudança de princípio na interpretação de eventuais conflitos, devendo-se pautar nos requisitos essenciais do negócio jurídico e no respeito à autonomia da vontade coletiva. Com efeito, assim dispõe o artigo 8º, parágrafo 3º:

“No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva”.

No primeiro aspecto, ao contrário do que alguns comentam, não se trata de impedir a análise do negociado pelo magistrado, mas de respeitar os interesses manifestados pelo grupo em assembleia e que autorizaram o sindicato a negociar em seu nome condições normativas que se aplicariam ao grupo. Trata-se de prestigiar o Direito Coletivo do Trabalho, cujos princípios divergem da proteção existente na relação individual de trabalho e atendem à proteção social do grupo. Esse aspecto transformador do Direito Coletivo do Trabalho deve ser prestigiado com atribuição de responsabilidade ao sindicato que tem a representação da categoria (respeitando nosso modelo de organização sindical) ou grupo de trabalhadores.

Os exemplos trazidos pela doutrina para criticar o texto legal fazem caricatura lastreada na imagem de um sindicalismo fraco e cúmplice de ilegalidades. Assim, não seria crível que sindicatos profissionais e patronais ou empresas negociassem exclusões de direitos fundamentais como a exclusão de licença maternidade ou mesmo férias anuais. Aliás, o artigo 611-B traz a proibição expressa de exclusão dos direitos ali relacionados nos incisos I a XXIX.

Depois, ao considerar o texto do parágrafo 3º, que seja respeitado o artigo 104 do Código Civil, está atendendo aos princípios do Direito Coletivo do Trabalho cuja representação dos trabalhadores por meio de sindicato exclui o critério de desigualdade econômica previsto na relação individual, este sim capaz de fazer crescer a proteção individual. A referência diz respeito às relações coletivas cujas condições de admissibilidade quanto à capacidade do agente, licitude do objeto e a forma do ato jurídico tratam da (i) representação sindical (ou representatividade em modelos de organização sindical plúrima), (ii) conteúdo de natureza trabalhista e de proteção social de natureza coletiva e o (iii) documento de celebração do ato, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.

A capacidade jurídica e fática do sindicato não se faz apenas pela representação formal, mas pela legitimidade adquirida e outorgada pelos representados por meio de assembleia destinada especificamente para o objeto da negociação. Portanto, em matéria de Direito Coletivo do Trabalho, não se admitiria a aventura da representação sem legitimidade, e esse aspecto impõe aos sindicatos maior responsabilidade perante os representados de forma imediata e segurança jurídica nas relações trabalhistas, o que excluiria discussões em nível de ações individuais que contestem o negociado.

Quanto ao objeto da negociação, há que se considerar que, assegurados os direitos fundamentais dos trabalhadores, não pareceria razoável imaginar conteúdos negociados para pretender a exclusão social. A liberdade em negociar poderá surpreender com adaptações e avanços em conquistas de direitos sociais, sempre preservando a base de garantias, conforme dispõe o artigo 611-B, da CLT.

Finalmente, quanto à forma, em Direito Coletivo do Trabalho, conhecem-se duas modalidades: a Convenção Coletiva de Trabalho e o Acordo Coletivo de Trabalho, cada um limitado a seus efeitos e obrigações respectivas. Neste caso, as convenções coletivas tenderão, na nossa avaliação, a ser normas de caráter geral, e os acordos coletivos de trabalho poderão ganhar relevância com maior integração dos trabalhadores nos seus interesses coletivos e na empresa.

Outro aspecto relevante nas perspectivas do Direito Coletivo do Trabalho foi a adoção do critério facultativo da contribuição sindical e que poderá produzir uma transformação no modelo de organização sindical por categoria. Assim, a busca desenfreada que tivemos pós-Constituição Federal de 1988 no desmembramento de categorias, com nítido interesse econômico, poderá retroagir para a revisão na forma de organização de grupos e, quiçá, com abandono da estrutura por meio de categoria, facilitando a negociação pelo conjunto de trabalhadores na empresa, sem se falar em categoria preponderante, estabelecendo igualdade de tratamento entre os trabalhadores.

São aspectos relevantes do Direito Coletivo na sua perspectiva diante da reforma trabalhista, cuja reflexão merece a atenção a fim de que não se pratique o novo com os vícios do passado.

 

Paulo Sergio João

Paulo Sergio João

Advogado e professor de Direito do Trabalho da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).