Decisões Recentes
Uma médica que prestava serviços na Unidade de Pronto Atendimento (UPA 24h) da comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro (RJ), entrou com ação na Justiça do Trabalho solicitando rescisão indireta de trabalho por falta de segurança para exercer sua função e, também, pelo não recolhimento do FGTS por parte da ONG que, em parceria com o governo municipal, administra a UPA e foi responsável por sua contratação.
A rescisão indireta (artigo 483 da CLT) é a hipótese em que a resolução do contrato de trabalho se dá por iniciativa do empregado, em razão do cometimento, pelo empregador, de faltas consideradas graves. Na reclamação trabalhista, a médica alegou que o artigo 483 é taxativo quanto ao cabimento da medida quando caracterizado perigo manifesto de mal considerável e não cumprimento das obrigações do contrato pelo empregador (alíneas “c” e “d”). Para exemplificar a falta de segurança, ela relatou um tiroteio em fevereiro de 2014 no qual a UPA “foi completamente metralhada em função da troca de tiros entre bandidos e a polícia”.
Por seu lado, a ONG sustentou que o tiroteio foi um episódio isolado, o único até então desde a inauguração da unidade, em 2010. Disse também que não tinha como organizar infraestrutura que impedisse o ocorrido, por se tratar de questão de segurança pública.
O pedido foi julgado improcedente na primeira instância. Ao confirmar a sentença, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) entendeu que o problema de segurança é de responsabilidade do Estado, e que a médica sabia, desde o início do contrato, que atuaria numa área “cuja segurança é um tanto precária, para dizer-se o mínimo”. O acórdão ressalta que não se estava negando o risco dos que trabalham naquela UPA, mas que caberia à médica pedir demissão, e não pretender a rescisão indireta com base nesse argumento.
Quanto ao não recolhimento do FGTS, o TRT concluiu que a irregularidade não era suficiente para justificar a ruptura do contrato por falta grave, pois se trata de erro passível de solução e já estava superado pela própria sentença, que condenou a associação ao recolhimento de todo o período.
No recurso ao TST, a médica tratou apenas do FGTS, insistindo que a ausência do recolhimento caracteriza descumprimento das obrigações contratuais, motivo previsto na alínea “d” do artigo 483 da CLT como causa para a rescisão indireta.
A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho. A relatora do caso explicou que essa modalidade de rescisão – correspondente à justa causa do empregador – exige a ocorrência de situação que, por sua gravidade, impeça a continuidade da prestação de serviços. “É necessário que a falta do empregador seja suficientemente grave, de modo a ensejar prejuízos intoleráveis ao empregado, inviabilizando, assim, a manutenção do pacto laboral”, afirmou. Na sua avaliação, apesar de o simples não cumprimento de preceito legal não ser suficiente para autorizar a rescisão indireta, a jurisprudência do Tribunal é de que a ausência de recolhimento do FGTS de forma habitual configura conduta grave que é motivo da rescisão indireta do contrato de trabalho.
De forma unânime, a Turma proveu o recurso e condenou a associação ao pagamento de todas as verbas rescisórias devidas na dispensa imotivada e à liberação das guias do FGTS e de seguro-desemprego.
Processo: RR-10261-10.2014.5.01.0057