O impacto da perda da vigência das MPs

A perda da vigência das Medidas Provisórias foi tema de webinar do CORHALE

A perda da vigência da Medida Provisória (MP) 927, que chegou a ser votada na Câmara dos Deputados, mas não teve votação no Senado Federal, gerou uma série de dúvidas sobre como ficam os benefícios e a flexibilidade possibilitados pela MP. Para esclarecer uma série de questões, a ABRH-SP e o CORHALE  realizaram o webinar “Como agir ante a descontinuação das MPs 905 e 927 e frente à Lei 14.020/2020”.

O evento teve a participação dos debatedores: dra. Cláudia Vianna, consultora jurídica-empresarial nas áreas de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário; dra. Maria Cristina Mattioli, desembargadora do Trabalho aposentada e advogada na área trabalhista; dra. Nadia Demoliner, advogada, especialista em Direito Empresarial, sócia do escritório Mundie e Advogados; e do dr. Silas Oliveira, gerente Jurídico da Arcos Dourados. Advogado especialista em Relações Trabalhistas e Sindicais, o dr. Orlando Lopes Jr. foi o moderador.

A seguir os principais temas discutidos pelos palestrantes:

 

FÉRIAS

“A MP 927 possibilitou ao empregador antecipar o período concessivo das férias. Também flexibilizou algumas regras, como o pagamento das férias até o quinto dia útil e do um terço até o limite do pagamento do 13º salário, ou seja, 20 de dezembro. Com a expiração do prazo da MP, basicamente voltaram a ser aplicadas as regras previstas na CLT. Se as férias foram concedidas no período de vigência da MP, entendo que foram válidas. Agora, a partir de 20 de julho, o empregador não poderia antecipar as férias porque a CLT não dá essa prerrogativa. Um ponto importante a ser ressaltado é a possibilidade de negociação coletiva. O empregador poderia viabilizar essa flexibilidade através de negociação coletiva e não depender exclusivamente da lei.” Silas Oliveira

 

FERIADOS

“A MP 927 também possibilitou a antecipação dos feriados não religiosos, sem anuência do empregado, com a comunicação prévia de 48 horas e podendo inclusive as horas trabalhadas serem apontadas no banco de horas. Com a queda da MP, não é mais possível a antecipação, mas aqui há uma situação em que a própria CLT prevê a possibilidade de antecipação desde que mediante negociação coletiva. Se o empregador fez a antecipação do feriado durante a vigência, ato jurídico perfeito, mas a dica é fazer a negociação coletiva daqui para a frente.” Silas Oliveira

 

RECOLHIMENTO DO FGTS

“Segundo o texto da MP, o empregador poderia não recolher o FGTS das competências específicas de março, abril e maio e parcelar o saldo em até seis vezes a partir de julho. Então, está bem claro o limite de tempo. Entendo que, se o empregador deixou de recolher nessas competências exclusivas, ele poderá utilizar esse parcelamento no futuro. O que ele não pode é deixar de recolher novas competências até porque não existe previsão legal para isso.” Silas Oliveira

 

TELETRABALHO

“A MP 927 tratou do teletrabalho, que não se confunde com o teletrabalho do artigo 75-B da CLT. O teletrabalho trazido pela MP tinha como objetivo proteger a saúde e evitar a circulação desnecessária de pessoas, com as seguintes regras: para instituir o home office não era necessário a concordância do empregado durante o período de vigência da MP e poderia ser usado como contrato qualquer documento escrito e assinado pelo empregado. Como fica então? É a lei do ato que instituiu o teletrabalho que vai reger as relações que foram constituídas nesse período. Se o teletrabalho foi implantado corretamente, com termo escrito durante o período de vigência da MP, trata-se de um ato jurídico perfeito, que se prorroga para o futuro. Passada a epidemia, é importante lembrar que o teletrabalho também é um instituto que consta da do artigo 75-B da CLT.” Nadia Demoliner

 

REDUÇÃO DE JORNADA E SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

“Pela MP 936, lei 14.020 e o decreto que a regulamentou, há a possibilidade de reduzir o salário em 25%, 50% e 70% com equivalente redução de jornada. Também era possível, mediante acordo individual, fazer a redução salarial de 25% para todos os empregados. Durante o período de vigência da MP, esses empregados tinham assegurado uma garantia de emprego equivalente ao dobro do período em que perdurou a suspensão ou redução, limitada a 90 dias, e o benefício emergencial assegurado pelo governo. E agora? Quem já aplicou a redução salarial com redução de jornada por 90 dias, a partir da edição da lei 14.020 e do decreto que a regulamentou, só pode fazer por mais 30 dias. E a suspensão que era permitida por 60 dias, sem pagamento de salário algum, pode ser renovada por mais 60 dias. Os dois benefícios foram limitados, durante o período de calamidade pública que vai até 31 de dezembro de 2020, em 120 dias.” Nadia Demoliner

 

ACIDENTE DE TRAJETO

“Tivemos uma MP publicada no ano passado, em 12 de novembro de 2019, revogando a previsão legal que dizia que acidente de trajeto era acidente de trabalho. No entanto, essa MP 905 foi revogada por outra MP, a 955, agora em 2020, no dia 20 de abril. O que acontece quando uma MP é revogada? As regras que ela trouxe valeram e vigoraram durante o período de sua vigência. Nesse período, os acidentes de trajeto não são considerados acidente do trabalho. Agora, acidentes de percurso, ocorridos a partir da revogação, voltaram a ser considerados acidentes de trabalho. É um assunto que vai trazer mais novidades porque quem revogou foi outra MP, que tem duração temporária e precisa ser analisada pelo Congresso Nacional.” Claudia Vianna

 

CONTAMINAÇÕES PELA COVID-19 SÃO ACIDENTES DE TRABALHO?

“Houve muita discussão por conta da previsão do artigo 29 da MP 927 que teve a eficácia suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade e isso deu bastante espaço na mídia e a impressão de que o STF havia decidido que a contaminação por Covid-19 era acidente de trabalho. Entretanto, não foi isso o que aconteceu. Na verdade, nunca precisamos do artigo 29 da MP 927 porque já tínhamos a previsão de acidente do trabalho por contaminação por vírus na lei 8.213. Não havia necessidade de uma lei específica para essa doença específica, mas o governo achou por bem colocar o artigo 29 dizendo: nos casos de contaminação por Covid-19, não vai ser acidente do trabalho a não ser que se comprove o nexo causal. Na hora em que o STF cancelou a eficácia do artigo da MP, porque não entendeu ali nenhum caso de relevância ou urgência, voltou a valer a lei que a gente tinha sobre o assunto, a 8.213. Por essa lei, a contaminação por vírus qualquer, que inclui a Covid-19, não é acidente do trabalho, exceto para aqueles profissionais que desenvolvem suas atividades com pessoas comprovadamente contaminadas: médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, profissionais em lavanderias de hospitais, em laboratórios, funerárias. Para os demais, valem casos de exceção, por exemplo o de um colaborador que vá trabalhar na empresa infectado pela Covid-19, sem saber que tinha a doença, e acaba contaminando outros funcionários. Se a investigação concluir que alguém pegou no local trabalho, há a possibilidade de caracterização do acidente de trabalho. Mas é uma situação pontual.” Claudia Vianna

 

 

ATIVIDADES DA JUSTIÇA DO TRABALHO

“Durante o período de pandemia visualizamos um número crescente de atos praticados pela Justiça do Trabalho. Nesse período pode ser que não tenham ingressado muitas demandas, porém houve um esgotamento das atividades jurisdicionais. Ou seja, por também estarem em teletrabalho, houve um trabalho ainda maior de todo o Poder Judiciário. De 16 de março a 2 de agosto, tivemos um total de 1.572.148 sentenças e acórdãos e um total de 1.696.992 decisões da Justiça do Trabalho, levando-se em conta todos os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs). O Tribunal Superior do Trabalho (TST) também deferiu 54 liminares.” Maria Cristina Mattioli

 

DEMANDAS TRABALHISTAS EM RAZÃO DA PANDEMIA.

“Com a caducidade da MP 927, alguns assuntos que talvez possam vir a ser objeto de um número maior de ações são:

Demissões em massa – com a MP 936, conseguiu-se atingir o objetivo do governo: a manutenção dos empregos e da renda. Isso foi conseguido por meio de redução de jornada com redução de salário e a suspensão de contrato de trabalho, mas por um período. Algumas empresas certamente não vão sobreviver apesar dessas medidas, o que pode levar a demissões em massa.

Verbas rescisórias – Havia uma intenção do governo de parcelar, mas isso não ocorreu, então muitos empregadores ainda terão dificuldades de conseguir honrar com o compromisso de pagamento no prazo descrito pela CLT e isso talvez seja objeto futuro de reclamações.

Caracterização do acidente de trabalho ou moléstia adquirida no trabalho – Outro tema recorrente que provavelmente será objeto de muita demanda judicial.

Teletrabalho – Também ainda há muitas dúvidas e, como tudo foi feito de rapidamente, não se pensou em todas as questões derivadas. Então, é possível que haja um aumento de demandas para reclamar condições de trabalho, benefícios que não foram pagos e ressarcimento de despesas. Acredito que haja necessidade de legislação posterior ao período de retomada para que sejam minuciosamente esclarecidos os requisitos do teletrabalho.

É possível que haja outras discussões sobre o recálculo da redução de salário e da sua suspensão, em relação às férias, por questões de pagamentos que não foram feitos devidamente e a antecipação de feriados.

Quem sabe não seria necessário agora nesse momento normatizar as conciliações pré-processuais ou ainda a criação de mecanismos alternativos de solução de conflitos que antecedam o ingresso no Poder Judiciário. É fato que essas questões serão objeto de reclamações trabalhistas até porque em todo período de crise há um aumento e acúmulo de demandas judiciais em razão das dificuldades financeiras do empregado.” Maria Cristina Mattioli

 

Legenda: Da esq. p/ dir.: Maria Cristina Mattioli, Nadia Demoliner e Silas Oliveira (acima); Claudia Vianna e Orlando Lopes Jr. (abaixo)

Fotos: Divulgação