A vacinação no foco da área de Recursos Humanos

Webinar discutiu compra de vacinas e a obrigatoriedade da imunizaçãoPromulgada no início de março, a Lei nº 14.125/2021, que dispõe sobre a responsabilidade civil relativa a eventos adversos pós-vacinação contra a Covid-19 e sobre a aquisição e distribuição de vacinas por pessoas jurídicas de direito privado, mexeu intensamente com os ânimos dos RHs e levantou uma série de questionamentos: As empresas, enfim, poderão adquirir as vacinas para seus funcionários? Se elas quiserem comprar e aplicar as vacinas, terão também de assumir a responsabilidade civil relativa aos eventos adversos? Os empregados poderão se recusar a tomar as doses?

Todas essas questões foram tema do webinar O que está na pauta dos gestores de RH?, realizado no último dia 30 pela Regional Campinas e que contou com as participações do dr. Carlos Silva, diretor Jurídico da ABRH-SP, coordenador do CORHALE e advogado especialista em Relações do Trabalho e Sindicais, e da dra. Veridiana Police, diretora Jurídica da Regional Campinas e sócia do escritório Finocchio & Ustra. Lia Ferreira, diretora da Regional, foi a moderadora. Confira a seguir as principais reflexões:

Sobre a lei 14.125

“A lei federal 14.125 estabelece algumas regras para a aquisição de vacinas pelo setor privado para que este consiga comprar diretamente dos fornecedores. Essa normativa, porém, impõe que tal aquisição, distribuição e administração de vacinas somente ocorra após o término da imunização dos grupos prioritários e, depois de vacinados os grupos prioritários previstos no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, a lei ainda impõe a obrigatoriedade de que 50% das doses adquiridas pelas empresas sejam revertidas para o SUS – Sistema Único de Saúde e as demais sejam utilizadas de forma gratuita. Entretanto, a gente sabe que hoje não existe vacina nem para os órgãos públicos adquirirem, imagine pensar na aquisição privada. Se fizermos esse primeiro recorte ‘é possível comprar?’, sim, hoje a gente tem uma lei que possibilita, mas não é factível na minha percepção de como as coisas têm se desenrolado pelo mundo em razão da falta de vacinas.”  – dra. Veridiana

 

“A respeito da lei 14.125, as organizações clínicas de vacinação que estavam pensando em adquirir as vacinas para cobrar um determinado valor terão de se ater aos termos da lei que dizem que esta terá de ser gratuita. A lei surgiu no momento em que o órgão público responsável pela aquisição estava tendo algumas dificuldades. Foi criada para autorizar os estados, o Distrito Federal, os municípios a adquirir as vacinas, mas desde que assumissem os riscos referentes à responsabilidade civil. A lei dispõe ‘sobre a responsabilidade civil relativa aos eventos adversos pós-vacinação’. Então, se a empresa privada quiser comprar por si as vacinas também terá de assumir a responsabilidade civil relativa aos eventos adversos pós-vacinação. Há de se ater aos termos da lei. Ao que me consta, os fornecedores, no seu contrato de venda, também estabelecem que a responsabilidade civil é do adquirente.”  – dr. Carlos

 

Vacinação compulsória?

“A questão da vacinação traz um pano de fundo importante para os profissionais de RH, porque a gente já está se perguntando há bastante tempo se o empregado pode se opor à vacinação obrigatória e quais seriam as implicações no âmbito da relação de trabalho dessa recusa. No ano passado, já tínhamos, através da lei 13.979, de fevereiro de 2020 [que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019], uma previsão que trazia taxativamente a possibilidade da vacinação compulsória. Isso não é novo. A compulsoriedade da vacina, no cenário da Covid-19, já está em uma lei específica. No entanto, essa compulsoriedade foi alvo de questionamento junto ao Supremo Tribunal Federal através de duas ações diretas de inconstitucionalidade. Em dezembro do ano passado, o STF firmou um entendimento de que a vacinação pode, sim, ser compulsória, isso é constitucional, mas reforçou que essa obrigatoriedade não pressupõe forçar o cidadão a se vacinar. Tal decisão do STF conclui que a vacinação é um direito subjetivo do cidadão, sim, mas também é um dever que extrapola essa esfera individual e acaba inserindo o cidadão dentro de um contexto maior: o da vida em sociedade. De um lado a vacina é um direito, por outro lado também é um dever quando a gente analisa sob a ótica da saúde pública, sobretudo nesse contexto pandêmico que já ceifou milhões de vidas ao redor do mundo. Olhar para essa questão é de fato necessário. Trata-se de um debate muito caloroso e um tema bastante divergente entre doutrinadores, membros do próprio Judiciário Trabalhista, do Ministério Público do Trabalho, de entidades sindicais. Além disso, a Constituição Federal impõe às empresas o dever jurídico de garantir um ambiente de trabalho saudável para dar concretude ao direito fundamental à saúde. Isso dá uma resposta afirmativa no sentido de que, sim, as empresas podem exigir a vacinação dos seus empregados.”  – dra. Veridiana

 

Como proceder em relação à obrigatoriedade?

“Antes de obrigar, porém, é preciso uma medida anterior, de conscientização dos empregados. Informar sobre a importância da vacinação por meio de campanhas internas, palestras, comunicados, enfim, por meio de uma política específica que aponte as regras de vacinação e traga também as eventuais sanções disciplinares aplicadas em caso de recusa injustificada. É importante compreender: com uma recusa injustificada, é possível caracterizar um ato faltoso, uma insubordinação desse trabalhador, mas é preciso ter bastante cautela porque o tema ainda não está cravado. A gente não consegue cravar como o Judiciário vai analisar toda essa questão. Hoje a prevalência do coletivo é bastante forte porque estamos em um momento de fortalecer os laços de solidariedade em prol do bem comum, mas o debate de liberdade individual versus interesse coletivo é muito tenso. Além disso, estamos em um período do Plano Nacional de Vacinação em que os nossos trabalhadores começam a ser vacinados. Como a gente faz? Como exigir a comprovação dessa vacinação? Como criar regras para dizer ao trabalhador: ‘Se você não se vacinar, vai abrir um espaço de contaminação interna e eu sou responsável, como empresa, por esse meio ambiente’. Como lidar com isso? São temas sobre os quais não há respostas cravadas. Vai ser uma construção conjunta sistemática do que o STF já sinalizou, o que está na CLT e o que, como empresa, posso criar de regras internas para conseguir garantir aos trabalhadores um ambiente saudável em meio a esse cenário pandêmico.”  – dra. Veridiana

 

“É indubitável que nesse momento pandêmico, as organizações que têm a obrigação de manter atualizado o seu PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional) devem ter inserido dentre as obrigações essa questão da vacinação. Se ainda não o fizeram, recomendo que o façam. Nesse caso, aquele que se negar a atender pode sofrer advertência e, eventualmente, o impedimento de ingressar no trabalho porque está em risco ou oferecendo um risco aos demais trabalhadores. Entretanto, tudo é muito novo. Não há Jurisprudência a esse respeito. Existem, sim, as interpretações pelos doutrinadores e juristas, e que levam todos nós para o caminho do bom senso. Se há a possibilidade de contaminação, o médico do trabalho da organização pode, de fato, sugerir o afastamento. Assim acontece no que diz respeito ao estado gripal. Se o colaborador que se negar a tomar a vacina tiver a possibilidade de contaminar os demais, o médico tem que necessariamente afastá-lo.”  – dr. Carlos

Imagem: Tapanakorn