A modernização das relações de trabalho*

A Câmara dos Deputados aprovou o relatório do deputado Rogério Marinho ao projeto de lei 6.787/16, de autoria do Poder Executivo, propondo atualizações pontuais das leis do trabalho. Trata-se do mais importante advento desde 1943, quando do nascimento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Será um avanço significativo, caso as propostas apresentadas sejam agora aprovadas no Senado Federal.

Alguns alegam que não haveria a necessidade de um projeto de lei no campo trabalhista porque a CLT já teria sofrido, ao longo de 74 anos, mais de 500 mudanças. Será? Analisando as 500 mudanças ocorridas na CLT neste período, pudemos concluir que, na verdade, poucas alteraram a estrutura rígida, estatutária e inflexível da CLT. Somente 5 destas mudanças estimulam a negociação coletiva. As outras 445 alterações se referem ao processo do trabalho, leis regulando leis, disciplinando o funcionamento dos Tribunais do Trabalho, Medidas Provisórias explicando Medidas Provisórias sobre temas e procedimentos trabalhistas burocráticos. Isto em nada altera a filosofia e estrutura da CLT.

Eis o motivo pelo qual a alteração das leis do trabalho é mais do que necessária. E o que fez Rogério Marinho em seu relatório? Ousou. Foi extremamente corajoso.

Em seu relatório, reforça a proposta do governo de valorização da negociação coletiva (até ampliando seu escopo), ou seja, estimulando os sindicatos a negociarem e, com isso, fazer com que prestem bons serviços a seus associados, merecendo, por esta positiva prestação de serviços, que seus sócios contribuam voluntariamente para o sustento de seu sindicato. Decorrente desta premissa, propõe o relator a extinção da contribuição sindical obrigatória – imposto sindical. É certo que a simples eliminação do imposto sindical não resolverá o problema da profusão de sindicatos de direito, mas não de fato, no Brasil, mas ajudará na solução parcial do problema.

Cria a figura do trabalhador superssuficiente quando propõe a solução de conflitos trabalhistas por meio da arbitragem, desafogando a Justiça do Trabalho dos 4 milhões de processos que recebe a cada ano, um recorde mundial de insegurança jurídica, de desestímulo à produção e ineficiência judicial, não por culpa dos juízes, que se veem trabalhando em condições desumanas para atender esta insana demanda.

Limita a atuação da Justiça do Trabalho de legislar, por meio de súmulas, usurpando os poderes do Legislativo. A Justiça do Trabalho no Brasil é a única no mundo que “faz leis”. Edita súmulas, orientações jurisprudenciais, dentre outras excrescências, inclusive algumas contras as próprias leis, o que é inadmissível.

O projeto cria novas formas de se contratar, como a do trabalho intermitente, auxiliando aqueles trabalhadores que hoje realizam suas atividades na informalidade a se tornarem formais, recebendo pelas horas trabalhadas, com todas as proteções do direito da CLT, inclusive as previdenciárias.

Regulamenta o trabalho a distância, protegendo o trabalhador com direitos e garantias especiais, fazendo com que possa usufruir do trabalho em casa, sem precarização.

Há que se combinar legislação trabalhista amistosa ao emprego, economia aquecida e segurança jurídica

Estabelece a modalidade de rescisão de contrato de trabalho de comum acordo, onde o empregado insatisfeito pode se desligar da empresa sem “obrigar” seu empregador a demitir, para que este pague as verbas trabalhistas na integralidade, gerando um clima insuportável entre trabalhador e empregador.

Privilegia a representação dos trabalhadores nas empresas, valorizando a solução interna de conflitos, a fim de que não se transformem em uma ação trabalhista.

Combate a litigância de má-fé de alguns advogados de empresas e de trabalhadores, que ingressam com ações trabalhistas, que mais parecem peça de horror, onde pedem 100 para fazer um acordo de 5, ou seja, sem qualquer compromisso com a verdade, usando o Judiciário para fins econômicos e não jurídicos, o que é crime.

Restringe o descalabro das penhoras online, que são bloqueios das contas das empresas feitos pela Justiça do Trabalho, onde, muitas vezes, por conta do excesso de penhora, empresas vão à falência, destruindo centenas de empregos para garantir o interesse de um trabalhador.

Sabemos que a lei sozinha não cria emprego, mas pode ser um relevante fator de estímulo ou desestímulo ao emprego, como é o caso de muitas leis trabalhistas brasileiras. Um exemplo internacional de desestímulo ao emprego é o da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho, estabelecendo que um empregado só pode ser desligado por dificuldade econômica da empresa, mudança tecnológica ou por ineficiência do próprio empregado. Os países da Europa que ratificaram a Convenção 158 da OIT enfrentam elevadas taxas de desemprego, como é o caso da Espanha, com taxa de desemprego de 18,7%, Portugal com 10,1% e França com 10%.

Leis que obrigam a empresa reter empregados, exigindo-lhe que justifique sua demissão, em um momento de crise, por exemplo, são um convite para o aumento do desemprego. A Espanha, por exemplo, ao ratificar a Convenção 158, que pretendeu manter emprego exclusivamente quase que impossibilitando a demissão, presenciou o nascimento de inúmeros tipos de contratos de trabalho precários, informais, empurrando os trabalhadores para o trabalho sem direitos.

Como já sabido, não se cria emprego por decreto. Há que se combinar legislação trabalhista amistosa ao emprego, economia aquecida e segurança jurídica.

As mudanças propostas no projeto de lei 6.787/16 são muitas, como se observa, e contribuem com a tão desejada segurança jurídica no campo trabalhista, valorização da negociação coletiva – princípio da autonomia da vontade coletiva -, bem como auxilia na reversão do quadro de desemprego no país, com mais de 14 milhões de pessoas sem ocupação. Neste momento, resta aplaudir o deputado Rogério Marinho pelas propostas apresentadas e contar com a aprovação célere das medidas no Senado Federal.

 *Publicado originalmente no jornal Valor de 17/05/2017

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José Eduardo Gibello Pastore

José Eduardo Gibello Pastore

Sócio da Pastore Advogados, é mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP e advogado trabalhista.