Desigualdade salarial na Suíça

Eduardo Pastore*

A desigualdade salarial entre homens e mulheres na Suíça, apesar de sua reputação de prosperidade e igualdade, permanece uma realidade surpreendente e complexa, que desafia percepções simplistas. Este artigo busca mergulhar na intricada teia de fatores econômicos, legislativos e culturais que perpetuam essa desigualdade, oferecendo uma perspectiva detalhada que transcende a comparação superficial com legislações, como a brasileira Lei 14.611/23, e questiona a eficácia de abordagens punitivas.

Segundo dados do Escritório Federal de Estatísticas da Suíça (BFS), em 2020 a diferença salarial média entre gêneros nesse país era de 19%, com um residual de 8,1% inexplicável, mesmo após ajustes por variáveis como tipo de trabalho, experiência e posição. Este dado é emblemático de uma questão que se estende além da discriminação direta, pois adentra esferas de discrepâncias estruturais e culturais.

Em seu relatório de 2020, o Fórum Econômico Mundial coloca a Suíça em uma posição de destaque globalmente no que diz respeito à paridade de gênero, mas ressalta a existência de desafios significativos no que tange à igualdade econômica e à participação no mercado de trabalho. A lacuna na igualdade salarial e na representação feminina em cargos de liderança é particularmente notável.

Um dos fatores cruciais para a persistência da desigualdade salarial de gênero na Suíça é a alta taxa de atividade a tempo parcial entre as mulheres, influenciada por questões culturais e pela escassez de infraestrutura de cuidados infantis acessíveis. No entanto, a disparidade salarial causada por essa modalidade de emprego, que costuma ser associada a menor progressão na carreira e salários reduzidos, não significa que ela decorre de ato discriminatório dos empregadores.

Além disso, a representação feminina em posições de liderança é desproporcionalmente baixa, refletindo outras barreiras estruturais e culturais que restringem o avanço das mulheres em suas carreiras. Essa limitação não apenas impacta a igualdade salarial, mas também a capacidade das mulheres de influenciar decisões e políticas que promovam uma maior igualdade de gênero no ambiente de trabalho, o que forma um círculo vicioso difícil de quebrar. Novamente, este fato está relacionado mais às questões culturais do país do que a atos discriminatórios de empregadores.

Embora a Suíça tenha adotado a Lei Federal sobre a Igualdade de Gênero (LEg 151.1) para combater a desigualdade salarial, os dados indicam que os desafios para alcançar a igualdade de gênero no ambiente de trabalho permanecem substanciais. Apesar dos avanços legislativos, a persistência da desigualdade sublinha a necessidade de um compromisso contínuo de todos os setores da sociedade para abordar as raízes profundas desta questão.

O exemplo da Suíça ilustra vividamente que a desigualdade salarial de gênero é um fenômeno multifacetado, que não pode ser plenamente resolvido apenas por meio de legislação, mesmo quando esta possui intenções punitivas. É necessário um esforço conjunto que inclua políticas públicas abrangentes, mudanças culturais e incentivos para que as empresas promovam ativamente a igualdade de gênero.

Este cenário desafia a noção de que a legislação por si só é suficiente para erradicar a discriminação salarial de gênero. Em vez disso, sugere a necessidade de uma abordagem mais profunda e integrada, que considere as complexidades econômicas, sociais e culturais que dão forma à realidade do mercado de trabalho suíço. A experiência da Suíça serve como um ponto de reflexão crucial para os países em todo o mundo, incluindo o Brasil, que buscam estratégias eficazes para combater a desigualdade salarial de gênero.

José Eduardo Gibello Pastore

José Eduardo Gibello Pastore

Sócio da Pastore Advogados, é mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP e advogado trabalhista.