Perspectivas latino-americanas e europeias no combate à discriminação salarial

José Eduardo Pastore*

Recentemente o Professor Helio Zylberstajn, em primoroso artigo sobre a questão da discriminação salarial[i], fez a seguinte observação: “A Lei 14.611 pretende combater a discriminação contra a mulher (e também contra pretos e pardos, minorias incluídas durante a tramitação no Congresso Nacional), mas seus dispositivos se aplicam apenas aos empregados celetistas do setor privado que trabalham em empresas com 100 ou mais empregados.”

O combate à discriminação salarial de gênero é uma questão global, abordada de maneiras distintas em diferentes regiões. A Lei 14.611/23 do Brasil marca um passo importante nessa direção, mas seu impacto pode ser melhor avaliado através da comparação com legislações de outros países. Este artigo divide-se em duas partes: a primeira compara a abordagem brasileira com a de países latino-americanos que não estabelecem um número mínimo de empregados para a aplicação de suas leis; a segunda parte explora o modelo adotado por países europeus, que utilizam o critério do número de empregados para combater a discriminação salarial de gênero.

Parte 1: Comparação com países latino-americanos

Diferente do Brasil, que limita a aplicação da Lei 14.611/23 a empresas com mais de 100 empregados – na obrigação de elaboração de relatórios de transparências, países latino-americanos como Argentina, México, Uruguai, Colômbia e Chile implementam legislações que não fazem distinção baseada no tamanho da empresa, nem tampouco exigências especiais para empresas de maior porte, no que tange o combate à discriminação salarial de gênero.

Argentina: A Argentina tem feito esforços para enfrentar a disparidade salarial de gênero. A Lei de Contrato de Trabalho do país (Lei Nº 20.744) inclui disposições que proíbem a discriminação salarial baseada no gênero. Além disso, a Lei Nº 27.555, conhecida como a Lei do Teletrabalho, aprovada em 2020, inclui medidas específicas para garantir a igualdade de tratamento e oportunidades para homens e mulheres no ambiente de teletrabalho. Essa lei se aplica a todas as relações de trabalho, não especificando um mínimo de empregados para sua aplicação.

México: No México, a legislação relativa à não discriminação, incluindo a discriminação salarial, é regida principalmente pela Lei Federal do Trabalho (Ley Federal del Trabajo). Esta lei, junto com a Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos e outras regulamentações específicas, como a Norma Mexicana NMX-R-025-SCFI-2015 em Igualdade Laboral e Não Discriminação, estabelece o quadro legal para a promoção da igualdade e a prevenção da discriminação no ambiente de trabalho, incluindo a discriminação de gênero e salarial. A Lei Federal do Trabalho (Ley Federal del Trabajo) proíbe a discriminação, incluindo a discriminação salarial, sem especificar um número mínimo de empregados para que a legislação seja aplicável.

Uruguai: Uruguai tem sido reconhecido por suas políticas avançadas em relação à igualdade de gênero. A Lei Nº 18.104, aprovada em 2007, estabelece a igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres no trabalho. Além disso, a Lei Nº 18.561 promove a igualdade salarial e proíbe a discriminação de gênero no emprego, incluindo disposições para combater a discriminação salarial. No Uruguai, a legislação que aborda a discriminação salarial, incluindo a discriminação de gênero, é aplicável a todas as empresas, independentemente do número de empregados.

Colômbia: A Colômbia, através da Lei 1496 de 2011, estabelece medidas para garantir a igualdade salarial e a não discriminação no ambiente de trabalho. Essa lei é aplicável a todas as empresas, sem mencionar um limite mínimo de empregados.

Chile: No Chile, a lei sobre igualdade salarial (Ley N° 20.348) estabelece a igualdade de remuneração para homens e mulheres que realizam o mesmo trabalho. Essa lei se aplica a todas as empresas, independentemente do número de trabalhadores.

Esta abordagem universalista adotada pelos países latino-americanos reflete um compromisso com a igualdade de gênero que transcende a escala empresarial, potencialmente oferecendo uma cobertura mais ampla e eficaz no combate à discriminação.

Parte 2: O Modelo Europeu

Na Europa, países como França, Islândia, Alemanha, Reino Unido, Suécia e Espanha adotam critérios baseados no número de empregados para a aplicação de suas leis de igualdade salarial.

França: Empresas com mais de 50 empregados devem publicar anualmente um índice de igualdade de gênero, facilitando a identificação e correção de disparidades salariais.

Islândia: Conhecida por suas políticas avançadas, exige que empresas com 25 ou mais empregados obtenham uma certificação que comprove a igualdade salarial.

Alemanha: A Lei de Transparência Salarial permite que funcionários em empresas com mais de 200 empregados solicitem informações sobre critérios de remuneração, promovendo a igualdade de gênero.

Reino Unido: Empresas com 250 ou mais empregados devem reportar diferenças salariais entre gêneros, visando aumentar a transparência e combater a discriminação.

Suécia e Espanha: Ambos os países implementam medidas semelhantes, exigindo que grandes empresas realizem auditorias salariais e reportem disparidades.

O modelo europeu, ao estabelecer um limiar baseado no número de empregados, foca em grandes empresas, presumivelmente por sua maior capacidade administrativa para cumprir com as exigências legais. Embora isso possa facilitar a implementação e fiscalização, também limita o escopo de aplicação das leis, potencialmente excluindo pequenas e médias empresas onde a discriminação salarial de gênero também pode ser prevalente, motivo pelo qual é instigante a reflexão do Professor Helio Zylberstajn.

Conclusão

Convém se estudar com mais afinco, como se dá a fluidez na comunicação anti discriminação salarial das empresas nos países que optaram pelo corte de número de empregados, visto que estas se submetem ao Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR, General Data Protection Regulation) da União Europeia.

A comparação entre a abordagem brasileira e as de países latino-americanos e europeus no combate à discriminação salarial de gênero revela uma diversidade de estratégias, cada uma com suas vantagens e limitações. Enquanto a abordagem latino-americana oferece uma aplicabilidade mais universal, o modelo europeu foca em transparência e accountability em grandes empresas. Para o Brasil, a reflexão sobre essas diferenças pode inspirar ajustes na Lei 14.611/23, buscando um equilíbrio entre abrangência de aplicação e eficácia na implementação, com o objetivo de combater a discriminação salarial de gênero no país.

José Eduardo Gibello Pastore

José Eduardo Gibello Pastore

Sócio da Pastore Advogados, é mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP e advogado trabalhista.