O PPE e a vingança dos burocratas

Além de atrasado, o Programa de Promoção ao Emprego (PPE), criado pela MP 680, de 6/7/2015, veio acompanhado de uma regulamentação, o Decreto 8.479, também do dia 6, que tem tudo para anular as virtudes pretendidas. O programa destina-se a atenuar o impacto do desemprego mediante uma redução de jornada e de salário capaz de viabilizar a retenção dos empregados nas empresas em que trabalham. Uma parte do salário reduzido será paga pelo governo, por meio do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Os empregados terão estabilidade no emprego durante o programa e mesmo depois, por certo tempo. Todos esses pontos são bastante positivos. Atendem os interesses dos trabalhadores, das empresas e do governo. Entretanto, o decreto que regulamentou a matéria criou o Comitê do Programa de Proteção ao Emprego (CPPE), com regras burocráticas complicadíssimas, dentre as quais é importante destacar:

O CPPE definirá as condições de elegibilidade para adesão e permanência no Programa. Além disso, definirá as regras de adesão. Competirá à secretaria do CPPE receber, analisar e deferir solicitações de adesão ao PPE e fornecer apoio técnico e administrativo. Para aderir ao PPE, a empresa deverá negociar um acordo coletivo com o sindicato da categoria profissional representativa dos empregados e fornecer ao mesmo as informações que comprovam suas dificuldades econômico-financeiras.

O acordo coletivo deverá prever: a) o período pretendido para adesão; b) os percentuais de redução de jornada e de salário; c) os setores atingidos ou toda a empresa; d) a relação dos trabalhadores abrangidos, identificados por nome, CPF e PIS; e) a constituição de uma comissão paritária de acompanhamento. Como sempre acontece, o governo não perdeu a oportunidade de complicar o que poderia ser simplificado. Por que selecionar este ou aquele setor ou empresa? Quanto tempo demorará para aprovar um pedido? Nos países onde existe, como a Alemanha, por exemplo, esse tipo de programa funciona de maneira muito singela e eficiente.

Isso porque o governo confia nos empregados e empregadores para decidir quando e como entrar e quando e como sair do programa. Compete a eles definir o percentual de jornada e salário a ser reduzido, assim como os setores da empresa abrangidos pelo programa. Uma vez decidido, as partes comunicam ao Ministério do Trabalho e este começa a pagar a parte da diferença do salário reduzido. Na hora de sair, é só avisar o ministério, e pronto. Essa confiança tem base na lógica de conduta das partes.

Isso porque, nesse caso, empregados, empregadores e governo têm interesses convergentes. Na hora de entrar, os empregados buscam garantir o emprego; as empresas visam a manter seus empregados e reduzir despesas; e o governo quer mantê-los nos cargos para evitar gastar com o seguro-desemprego. Superada a crise, as três partes têm novamente os mesmos interesses para sair do programa.

Os trabalhadores, porque desejam receber seu salário integral. As empresas, porque querem os empregados trabalhando o tempo todo para produzir e vender. E o governo, porque busca estancar as despesas com o seguro-emprego. As complicações criadas pela CPPE são desnecessárias e impraticáveis. Duvido que no âmbito do governo haja pessoal suficiente para analisar e tomar decisão em tempo hábil.

Duvido também que a maioria das empresas se disponha a percorrer toda essa burocracia para evitar demissões. Lembro-me do Programa do Primeiro Emprego que deixou de ser utilizado pelas empresas devido ao excesso de exigências por parte do Ministério do Trabalho. Costuma-se dizer que, na hora de regulamentar uma lei, os burocratas se vingam dos legisladores criando exigências que impõem a sua própria vontade. Nesse caso, tudo se passou dentro do próprio Poder Executivo, pois se trata de uma medida provisória e de um decreto.

Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense em 16 de julho de 2015

 

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José Pastore

José Pastore

Professor da FEA-USP e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomércio-SP