Estado deve remunerar a gestante afastada do trabalho pelos riscos da covid-19

Nosso ordenamento pátrio possui diversas previsões trabalhistas destinadas à proteção da maternidade e ao trabalho da mulher. Além disso, o Brasil é signatário da Convenção nº 103, da Organização Internacional do Trabalho – OIT, principal norma internacional em vigor sobre a proteção à maternidade.

Os dispositivos protecionistas têm por objetivo assegurar direitos para que a mulher gestante não seja discriminada em razão da maternidade, garantindo o equilíbrio contratual e iguais condições no mercado de trabalho.

Assim, meio à grave crise sanitária e econômica causada pela covid-19, foi publicada a Lei nº 14.151/21, que determina o afastamento da empregada gestante de suas atividades presenciais, sem prejuízo de remuneração, enquanto perdurar a emergência de saúde pública, observando orientações da Organização Mundial de Saúde – OMS.

A referida Lei tem por objetivo afastar a funcionária gestante do trabalho presencial com a manutenção de sua renda, sendo facultada a opção de teletrabalho ou outra forma de trabalho remoto. Contudo, o grande obstáculo da imposição legislativa é que muitas atividades necessitam ser realizadas no local da prestação de serviço, sendo incompatíveis com as formas remotas de execução.

A matéria controversa da Lei nº 14.151/21, portanto, se debruça objetivamente em relação à fonte pagadora nos casos de impossibilidade do exercício da profissão a distância.

A Lei em comento foi omissa no tocante ao afastamento das empregadas gestantes cujas atividades não podem ser realizadas a distância. Ou seja, não definiu de quem será a responsabilidade da manutenção da fonte de renda das gestantes.

Historicamente, uma longa jornada já foi trilhada com a promulgação de leis voltadas para a proteção da mulher trabalhadora. Contudo, há de se lembrar que o ônus financeiro do afastamento da gestante, sem contraprestação dos serviços dada à incompatibilidade dos meios remotos com a função desempenhada, não pode recair exclusivamente sobre o empregador.

Cabe ressaltar que, em tempos de pandemia, se mostrou latente a preocupação do legislador no delicado equilíbrio de preservação de emprego e renda das empresas. Inclusive, a própria Constituição Federal estabelece que é dever do Estado garantir o direito à vida, à maternidade, à gestante e ao nascituro.

Por outro lado, o repasse de custos ao empregador irá contribuir negativamente para o paradigma da contratação de mulheres, fomentando a discriminação no mercado de trabalho e colaborando para o aumento da desigualdade de gênero.

Diante das controvérsias e lacunas trazidas pela Lei, é preciso destacar o entendimento inicial do Poder Judiciário, conforme julgados das Varas Cíveis Federal do Tribunal Regional Federal da 3º Região sobre o tema, que imputou ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a responsabilidade do pagamento das verbas relativas ao afastamento das gestantes, cabendo restituição integral caso o pagamento seja realizado pelo empregador.

Ou seja, o encargo está fundado no dever Constitucional do Estado garantir o direito à vida, à maternidade, à gestante e ao nascituro. Os custos com a proteção à maternidade devem ser pagos pelo sistema público de seguridade social, jamais pelo empregador da iniciativa privada, tal como estabelece a Convenção nº 103 da OIT em seu art. IV, item 8, diante do regime cooperativo de proteção da criança, regido pelo princípio da solidariedade.

Cabe salientar, ainda, que a reforma trabalhista trouxe a inovação do art. 394-A, §2º da CLT, criando a hipótese de concessão de salário-maternidade antecipado, assegurando à empregada gestante afastamento do trabalho em razão de desempenho de atividade em ambiente insalubre. Esta obrigação decorre do sistema solidário e contributivo que vigora no Brasil.

Assim, o mesmo entendimento pode ser aplicado à Lei 14.151/2021, que por analogia ao que ocorre nos casos de insalubridade, o afastamento da gestante se dá como medida de saúde e segurança, em proteção à maternidade.

Finalmente, resta claro que a Lei quer proteger a mulher gestante no mercado de trabalho, mas, notadamente, precisa de edição legislativa para sanar as lacunas deixadas em relação à responsabilidade do ente pagador, quando as empregadas gestantes não têm condições de exercer suas atividades a distância.

Com efeito, até que seja apresentada alguma medida para sanar as incongruências citadas, as empresas podem demandar judicialmente requerendo que o ônus da manutenção da fonte de renda das gestantes seja da Previdência Social.

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Nayara Felix

Nayara Felix

Pós-graduanda em Mediação, Conciliação e Arbitragem e advogada do escritório Bruno Junqueira Consultoria Tributária e Empresarial