Controvérsias da prevalência do negociado sobre o legislado

No período anterior à Reforma Trabalhista, Lei n° 13.467/17, o Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho, quando o empregado contasse com mais de um ano de serviço na empresa, devia ser homologado perante o Ministério do Trabalho ou sindicato da categoria (artigo 477, da CLT, na antiga redação). Este ato administrativo, mediante carimbo da entidade ou repartição pública, permitia o ingresso para seguro-desemprego e para a liberação, pela Caixa Econômica Federal, dos valores depositados em conta do FGTS, pelo empregado dispensado sem justa causa ou cujo contrato tivesse terminado pelo decurso do tempo.

A nova lei excluiu a obrigatoriedade de homologação, tornou mais eficaz a rescisão, ficando os empregados e empregadores, qualquer que seja o tempo de serviço, liberados de formalidade administrativa e, em consequência, a CEF fica autorizada a liberar os depósitos, observada sempre a motivação da rescisão contratual.

Era comum que as negociações coletivas do passado reproduzissem a lei, sistematicamente, no âmbito de convenções ou acordos coletivos de trabalho, atribuindo ao seu descumprimento multa normativa. Dentre estas cláusulas, a obrigação de homologação de rescisões perante o sindicato era comum. A partir da nova legislação, a condição de homologação de TRCT passou a mera condição negocial de interesse das partes, trabalhadores e empregadores.

O sítio do Tribunal Superior do Trabalho, em 30/08/19, noticiou decisão da Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC), do Tribunal Superior do Trabalho, que confirmou a importância e o valor negocial no âmbito coletivo e considerou válida cláusula de acordo coletivo de trabalho que remete as rescisões dos contratos de trabalho à homologação por delegado sindical e julgou improcedente a ação anulatória de cláusula de acordo coletivo movida pelo Ministério Público do Trabalho da 8ª Região.

A relatoria do acórdão é do Ministro Caputo Bastos que sustenta o fortalecimento da negociação coletiva pós-reforma trabalhista afirmando que: “Aliás, um dos fundamentos motivadores da reforma trabalhista é o fortalecimento da negociação coletiva. O artigo 611-A da CLT encerra um rol exemplificativo de temas que podem ser objeto de negociação ao dispor que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre as matérias elencadas nos quinze incisos do referido artigo” (g.n.).

Portanto, se houver negociação coletiva concluída com cláusula que assegure ao sindicato profissional o direito de fiscalização das rescisões contratuais, a norma negociada terá aplicação exclusivamente nos limites das partes que assim negociaram, sem efeitos administrativos para o saque do FGTS ou habilitação no seguro-desemprego, os quais, diga-se, não poderiam ser condicionados à cláusula convencionada, sob pena de criar dificuldades de acesso ao FGTS pelo trabalhador. O descumprimento da norma que obriga à homologação não poderia acarretar ao empregado obstáculo ao saque do FGTS nem seguro-desemprego. Mas o empregador fica sujeito ao pagamento de multa prevista na convenção ou acordo coletivo de trabalho.

E, neste passo, no campo das negociações coletivas, a liberdade negocial está subordinada à autonomia da vontade coletiva com restrições marcadas (art. 611-B, da CLT) exclusivamente pela indisponibilidade absoluta de direitos, considerados como garantias fundamentais e não condicionados a eventos para sua aquisição. E, por esta razão, talvez, se possa afirmar que o negociado prevalecerá sobre o legislado, competindo às partes envolvidas nos embates de interesses a concretização em norma jurídica a vontade extraída na assembleia dos interessados, quando se tratar de categoria econômica ou profissional, respeitando sua aplicação sem distinção.

O que se discute, como pano de fundo, é a possibilidade de o negociado prevalecer sobre o legislado e esta decisão do TST é uma das situações que a jurisprudência vai enfrentar até acomodar e amadurecer a prática das negociações.

É curioso, de outro lado, que as normas que pretendem a proteção e garantia de direitos se submetam à interpretação variada. Embora sindicato e Ministério Público do Trabalho estejam caminhando na preservação de garantias fundamentais, colidiram no objeto: para o sindicato, fiscalizar as rescisões, por meio de delegado sindical, é importante; para o MPT, a fiscalização burocratiza e pode causar demora no acesso ao FGTS e seguro-desemprego e, por esta razão, é nula.

Do resultado da decisão, fica a lição para os negociadores. As cláusulas que se produziam de forma a repetir a lei no passado, merecem agora reflexão, pois o fato de a lei da reforma ter excluído determinada obrigação não implica a impossibilidade de que permaneça como objeto de cumprimento em norma coletiva de trabalho.

 

Os artigos publicados nesta seção são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente refletem a posição do CORHALE.

Paulo Sergio João

Paulo Sergio João

Advogado e professor de Direito do Trabalho da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).