Os acordos individuais durante a pandemia

Agora na pandemia há uma voz corrente e ameaçadora de que os acordos individuais para redução de jornada e redução do salário estariam sob implacável nulidade por agredir a Constituição Federal, em seu artigo 7º, VI, XIII e XXVI, que homenageia a participação sindical obrigatória quando se tratar de negociações coletivas. Além disso, outros atribuem a esta possibilidade que a denominação de “acordo” seria meramente retórica porque ao empregado não restaria alternativa que sua aceitação diante da “imposição” do empregador. O ponto de partida de todos os questionamentos deve levar em consideração as circunstâncias da vida, o valor protegido e o momento em que se torna aplicável.

A pandemia é temporária.

A importância do tema que, pela MP 936/20, durante a força maior, acolhe a redução de jornada com redução proporcional de salário, ganhou destaque com a decisão do STF na ADIN 6.363, em que, por maioria e com fundamentos diversos, os ministros da Corte, com prevalência do voto do ministro revisor Alexandre de Moraes, decidiram que os acordos individuais em época de pandemia não agridem a CF e, ao caso, não se aplicaria a garantia disposta no artigo 7º, VI, da Carta Maior.

Enfim, como o novo coronavírus pode influenciar nas relações trabalhistas a ponto de que se proíba a dispensa de trabalhadores sob seu pretexto ou que se atribua validade a acordos individuais que, na análise superficial, estariam trazendo prejuízo ao trabalhador e que este não teria opção que a da aceitação da redução temporária dos salários.

Há uma irracionalidade na exceção gerada pela pandemia que impõe regras e condutas que não teriam sido previstas ordinariamente pelo legislador. Assim, a consensualidade não se colocaria em razão de uma imposição de natureza geral aos contratantes que, em situações normais, teriam restrições para aceitar, nem mesmo motivação para sua prática.

O tratamento excepcional, no caso das relações trabalhistas, é que permitiria o equilíbrio social e econômico sem o qual teríamos empresas fadadas à insolvência e empregados condenados ao desemprego. A MP 936/20 pode não ser a proposta ideal neste período, mas é o que se apresentou como forma de salvação de empresas e da economia.

O que parece estar em destaque nessa passagem trabalhista é a pregação de uma insegurança jurídica incomum que fica atrelada às regras de que, diante do fato, não podem ser rígidas. Em palavras outras, vive-se o tempo neste instante das condições jurídicas e o tempo passado não pode existir em nome de um bem comum que se pretenda atingir, mas que seja construtivo de outro.

Para compreender o momento e os efeitos jurídicos gerados em todas as áreas do direito não se pode afastar a motivação da exceção de magnitude internacional, nem o fato de que o emprego deve ser privilegiado a fim de que não sejam criados problemas ainda maiores.

Desse modo, a base de sustentação de todo arcabouço jurídico e de mudanças impostas deve considerar a força maior e, mais do que isso, de que modo o emprego deve ser preservado. A utilização da MP está condicionada à demonstração de que a empresa teria sido atingida em suas atividades ou postos de trabalho.

Para as reflexões no campo das relações trabalhistas, fica a obviedade de que não se cuidou na CLT de situação de pandemias e suas opções de defesa para a preservação do emprego e da vida econômica da empresa. A situação é de emergência e temporária, assim se espera porque a Covid-19 não tem prazo definido e exige de todos o enfrentamento solidário e responsável nesta transição para depois, os contratos, do ponto de vista objetivo, passarem a vigorar como antes da Covid-19.

Negar os efeitos e a validade de acordos individuais lícitos e emergenciais talvez seja negar a realidade social e econômica do país.

 

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Paulo Sergio João

Paulo Sergio João

Advogado e professor de Direito do Trabalho da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).