PL 7016 de 2010

Trata-se de Projeto de Lei de autoria da deputada Luciana Genro (PSOL), cuja apresentação à Câmara dos Deputados ocorreu em 23.03.2010 e desde 29.06.2010 aguarda parecer da Comissão de Seguridade Social e Família  (CSSF).

O PL propõe mecanismos de fiscalização e punição contra a desigualdade salarial entre homens e mulheres. Veda o pagamento de salários diferenciados, para funções ou cargos iguais. Contempla alterações na Guia de Recolhimento do FGTS e GFIP, com a criação de campos adicionais relativos ao sexo, qualificação do cargo e carga horária. A fiscalização do cumprimento da lei ficará a cargo da Receita Federal e do Ministério do Trabalho e Emprego, por meio de sistema informatizado e fiscalização presencial.

O Estado procurou reduzir desigualdades incrustadas na sociedade. O constitucionalismo com relação ao princípio da igualdade não está limitado à igualdade perante a lei, mas em garantir iguais oportunidades para a realização dos objetivos de cada cidadão.

Se antes não se vislumbrava como alcançar a igualdade, a norma agora desiguala desiguais para atingir a igualdade, dando dinamicidade ao princípio da isonomia, assim, finalmente, positivando a igualdade sonhada por Aristóteles.

A visão material da igualdade vem complementar a sua visão formal. Não basta, portanto, a lei declarar que todos são iguais, deve propiciar mecanismos eficazes para a consecução da igualdade. Nessa esteira, José Afonso da Silva leciona que “a Constituição procura aproximar os dois tipos de isonomia, na medida em que não se limitara ao simples enunciado da igualdade perante a lei”.

Ao contrário do modelo formalista, o Estado assume um papel fundamental para garantir aos membros da sociedade a efetivação da isonomia, redimensionando seus objetivos e meios para atingi-los. A igualdade material ou substancial vem, portanto, complementar a igualdade formal, conferindo aos cidadãos, além da igualdade em direitos e obrigações, a garantia que o Estado será um ente preocupado em efetivar a isonomia, proibindo aos administrados desigualdades injustas e sem motivo.

É, portanto, esta a idéia de igualdade nos dias de hoje, uma igualdade que está bastante atrelada à justiça formal, que consiste, genericamente, em princípio de ação, segundo o qual os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma forma. Em outras palavras, como quer Carmem Lúcia Antunes Rocha:

“Igualdade constitucional é mais que uma expressão de Direito; é um modo justo de se viver em sociedade”. Por isso é princípio posto como pilar de sustentação e estrela de direção interpretativa das normas jurídicas que compõem o sistema jurídico fundamental.

“(…) a doutrina, como a jurisprudência, já firmaram, há muito, a orientação de que a igualdade perante a lei tem o sentido que, no exterior, se dá à expressão igualdade na lei, ou seja: o princípio tem como destinatários tanto o legislador como os aplicadores da lei”.

Desse modo, cercados pelo espírito da igualdade nos dias de hoje, podemos apreciar uma das principais formas que o Estado moderno encontrou de declarar que todos são iguais, propiciar mecanismos eficazes para a garantia da igualdade e por conseqüência da isonomia salarial.

Isonomia Salarial

Continuando na linha histórica, observe-se que o salário, na economia liberal do século XIX, era considerado como o preço de uma mercadoria, sendo estabelecido segundo a lei da oferta e da procura, sem controle algum por parte do Estado, laissez faire, laissez passer. Em decorrência dessa liberdade salarial irrestrita, surgiram injustiças entre os salários pagos aos homens que executavam os mesmos serviços, além da remuneração bastante inferior do trabalho feminino.

Com o passar do tempo, esse quadro de desigualdades e injustiças salariais deu azo a reivindicações que levaram os trabalhadores às ruas, em busca da igualdade salarial. Assim, no ano de 1.919, o Tratado de Versailles passou a consagrar, dentre outros, o princípio de “salário igual, sem distinção de sexo, para trabalhos de igual valor”. Internacionalmente, em 1.948, a Carta das Nações Unidas e, em 1.951, a Convenção no 100 da Organização Internacional do Trabalho (“OIT”), garantiram o direito à isonomia salarialentrehomensemulheres por trabalho de igual valor.

O Estado Democrático de Direito moderno funda-se sobre os pilares herdados do ideal da revolução francesa (Liberté, Egalité, Fraternité), entretanto o conceito de igualdade não mais remonta o do individualismo burguês revolucionário, vindo a adquirir uma roupagem mais aristotélica, ao considerar o elemento justiça, tendo em mente as desigualdades naturais.

Desse modo, atualmente, é de conhecimento geral a máxima de que a verdadeira igualdade não consiste em tratar a todos da mesma maneira, mas sim em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, sendo essa isonomia de tratamento constitucionalmente garantida.

A Constituição Federal de 1988 consagrou o princípio da isonomia salarial, através dos incisos XXX e XXXI de seu artigo 7o, os quais determinam, respectivamente, a “proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil” e a “proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”.

A partir disso, não podemos permitir que os incisos XXX e XXXI do artigo 7o da Constituição Federal, sejam destituídos de eficácia, pois desde seu nascimento essas normas detêm eficácia negativa, que consiste na proibição da elaboração de leis que tragam preceitos contrários ao disposto em determinada norma, sob pena de inconstitucionalidade. Da mesma forma, todas as normas anteriores à Constituição vigente que conflitem com essa norma consideram-se tacitamente revogadas, não sendo recepcionadas pela nova ordem constitucional.

Portanto, são inconstitucionais as legislações, normas coletivas ou contratos de trabalho que desrespeitem o princípio da isonomia salarial, impondo-se a vinculação das políticas salariais da empresa a este preceito constitucional.

Segundo Valentin Carrion, o princípio da isonomia inspira-se na filosofia da institucionalização da empresa, de forma que, ao empresário, por não ser senhor absoluto e pelos fins sociais da propriedade, não assistiria direito de preterir um empregado, pagando-lhe menos que a outro. Portanto, ao serviço igual deve corresponder remuneração igual.

Equiparação Salarial

Destarte, a equiparação salarial não se apresenta como um princípio, pois este é o da isonomia salarial, mas sim como um remédio para os casos onde não se respeita o princípio isonômico constitucionalmente garantido.

Nesse sentido, vale ressaltar que o princípio da isonomia salarial não pode ser pretendido de maneira plena e irrestrita, de forma a se entender como obrigatoriedade de salários iguais a todos os trabalhadores, independentemente de suas diferenças. Cabe recordar que, conforme visto, a igualdade que hoje integra os valores sociais é no tratamento dos iguais de forma igual e dos desiguais de forma desigual.

Por esse motivo é que a isonomia salarial somente pode ser exigida quando há similaridade entre os trabalhadores, ou seja, só pode ser exigido tratamento igual para os iguais. Dessa forma, torna-se facilmente inteligível o porquê de o artigo 461 da CLT, enumerar alguns requisitos para que se torne exigível a equiparação salarial, assim fazendo-se oportuna sua transcrição:

Artigo. 461 – Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade.

Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço não for superior a 2 (dois) anos.

Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira, hipótese em que as promoções deverão obedecer aos critérios de antiguidade e merecimento.

No caso do parágrafo anterior, as promoções deverão ser feitas alternadamente por merecimento e por antiguidade, dentro de cada categoria profissional.

O trabalhador readaptado em nova função por motivo de deficiência física ou mental atestado pelo órgão competente da Previdência Social, não servirá de paradigma para fins de equiparação salarial. [09]

A CLT delimita o direito à equiparação salarial somente àqueles que tenham como paradigma empregado que também trabalhe para o mesmo empregador; incumbido das mesmas funções; com trabalho de igual valor (leia-se, com igual produtividade e mesma perfeição técnica); e na mesma localidade. Por oportuno, grife-se que as exigências do caput do artigo 461 não são alternativas, de forma que devem estar todas presentes no caso concreto para que seja possível a equiparação salarial.

Ademais, os parágrafos do artigo 461 prevêem algumas excludentes à regra da equiparação, sendo cristalino que o trabalho realizado com produtividade ou perfeição técnica diferenciada ou por pessoas cuja diferença de tempo de serviço for superior a 2 (dois) anos não enseja equiparação salarial. De outra forma, quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira, com promoções obedecendo aos critérios de antiguidade e merecimento, ou o paradigma seja reabilitado em nova função por motivo de deficiência física ou mental, também não se impõe a equiparação.

Assim, considerando a necessidade da similitude entre o equiparando e seu paradigma verifica-se o escopo de tratar os iguais de forma igual, enquanto as excludentes do artigo 461 da CLT nos informam do permissivo de tratar de forma desigual os desiguais.

GÊNERO (SEXO)

O Direito Positivo apresenta inúmeras hipóteses em que o fator gênero é utilizado como critério de tratamento específico. A discriminação, como exposto, não é apenas negativa, pois se apresenta também na forma positiva, materializada através da adoção de tratamento próprio a determinado sexo com o fim de igualar situação de fato desigual.

O tratamento diferenciado entre homens e mulheres requer justificação a fim de se aferir a razoabilidade da medida, não estando afastado, entretanto, entendimento contrário a qualquer forma de distinção como aquele que defende a idéia de um quadro atual diverso daquele encontrado no período da Primeira Revolução Industrial, fase em que a mulher era considerada meia-força de trabalho e, portanto, necessitava da criação de institutos legislativos específicos para tutelá-la de forma específica. Nesta linha, assinala-se a crescente tendência de superação da proteção mediante o simples cotejo homem e mulher, encaminhando-se para o tratamento igualitário perante a lei, sem diferenciações. Logo, a licença maternidade, por exemplo, passaria a ser enquadrada como um fato social que impõe uma resposta própria, como no caso de afastamento por enfermidade ou para fins de serviço militar.

Em todo caso, o art. 7º, XX, da CF, assegura a proteção do mercado de trabalho da mulher através de incentivos específicos previstos em lei. Da mesma forma, o art. 373-A, § único, da CLT, estabelece a adoção de medidas temporárias que visem ao estabelecimento das políticas de igualdade entre homens e mulheres.

A Convenção Internacional n° 100, ratificada em 25 de abril de 1957 e promulgada pelo Decreto n° 41.721/57, aprovada pela OIT em 1951, da qual o Brasil é signatário, proclama o princípio da igualdade de remuneração para a mão-de-obra masculina e feminina em trabalho de igual valor. Não obstante, verifica-se a dificuldade de definir o conceito de “igual valor”, cujos critérios adotados podem favorecer o trabalho desempenhado por homens.

Na mesma linha, o art. 7º, XXX, da CF, veda a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão; a Lei 9.029/95 coíbe a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego; e o art. 373-A, da CLT, proíbe práticas que afetem o acesso da mulher ao mercado de trabalho, o art. 5º, I, da CF, proíbe a diferença de salário, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.

Conclusão:

Considerando a proteção prevista na Constituição Federal:

– Artigo 5º inciso I que afirma que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações;

– Artigo 7º incisos XX que protege o mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos;

– Artigo 7º inciso XXX que proíbe a diferença de salários, de exercícios de funções e de critérios de admissão por motivo de SEXO, idade, cor ou estado civil.

Considerando que a Lei 9.029/95 proíbe práticas discriminatórias, para efeito admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho.

Considerando que o Projeto de Lei ora apresentado não está de acordo com a previsão estabelecida nos Artigos 461 e 373-A da CLT, que disciplina a matéria e determina as exceções aceitas e justificadas.

A matéria de que trata o PL ora apresentado encontra-se prevista na Constituição Federal, na Consolidação das Leis do Trabalho e em legislação específica não sendo necessária nova lei para disciplinar o assunto.

 Opinamos pela rejeição do Projeto de Lei n. 7016, de 2010.

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