Projeto de Lei nº 859/2023

O PL propõe a alteração da legislação existente sobre contratos de terceirização por empresas privadas e as relações de trabalho decorrentes desses contratos. Propõe a revogação de vários artigos de leis: artigos 4º-A, 4º-B, 4º-C, 5º-A, 5º-B, 5º-C, 5º-D, 19-B e 19-C da Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, o art. 2º da Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017, e o art. 2º da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, e a alteração do art. 149 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

MANIFESTAMOS A OPOSIÇÃO DO CORHALE ÀS PROPOSTAS CONTIDAS NO PROJETO DE LEI 859/2023, que busca, assim como os PLs anteriores de teor semelhante (PLS 249/2017 e PLS 339/2016), restringir a terceirização no Brasil a ponto de praticamente proibi-la. Além disso, o PL é desmedido, excessivamente formalista e totalmente descolado da realidade atual do desenvolvimento mundial.

O PL 859/2023, DE AUTORIA DO SENADOR PAULO PAIM (PT-RS), tem como objetivo principal regular a terceirização, porém, acaba restringindo diversos aspectos da legislação atual.

No entendimento dos membros do CORHALE:

  • O PL é desnecessário, uma vez que as Leis 13.429/2017 e 13.467/2017 já trataram das relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros. Portanto, a regulamentação sobre o assunto já está adequada. Não há justificativa para modificar as normas existentes, o que poderia gerar insegurança jurídica.
  • O PL propõe retrocesso às discussões que se travavam na fase pré-promulgação das leis acima mencionadas, que insistiam na divisão entre atividades-meio (passíveis de terceirização) e atividades-fim (em cuja terceirização era vedada) e parte de equivocadas e retrógradas premissas de que: (i) a terceirização de serviços estaria associada à precarização da relação de trabalho e dos direitos trabalhistas dos empregados terceirizados; (ii) a descentralização e desregulação da economia e da atividade empresarial levaria à redução de postos de trabalho e à informalidade, maior rotatividade do terceirizado no tempo médio de emprego; (iii) exploração de trabalhadores com escolaridade inferior aos trabalhadores regulares, que são pouco qualificados e mais vulneráveis no mercado de trabalho; (iv) maior taxa de mortalidade e acidentalidade dos trabalhadores terceirizados; (v) benefícios, PLR e piso salariais seriam inferiores; (vi) enfraquecimento da atividade sindical; (vii) mercantilização da mão de obra; (viii) fraudes e discriminação do trabalhador terceirizado; e (ix) estagnação econômica.
  • O PL, assim como os que lhe antecederam, afrontam os princípios constitucionais que governam a atividade econômica no país:
  • Princípio da livre iniciativa: O artigo 170 da Constituição Federal estabelece a livre iniciativa como um dos fundamentos da ordem econômica brasileira. O PL 859/2023, ao restringir a terceirização e outros arranjos empresariais, pode ser questionado quanto à sua conformidade com esse princípio, que garante a liberdade de empreender e contratar, desde que observados os limites legais.
  • Princípio da livre concorrência: O artigo 170 também estabelece a livre concorrência como um dos princípios norteadores da ordem econômica. Restrições excessivas à terceirização e à flexibilidade empresarial afetam a capacidade das empresas de competir no mercado de forma justa e eficiente.
  • A terceirização foi regulamentada em sentido diametralmente oposto pela Lei nº 8.666/1993, permitindo aos órgãos públicos contratar serviços terceirizados por meio de licitação, seguindo os princípios de igualdade, competitividade, economicidade e transparência. O artigo 71 da Lei das Licitações estabelece que a administração pública poderá contratar terceiros para a execução de determinadas atividades, desde que sejam consideradas serviços auxiliares, instrumentais ou complementares às suas atividades-fim.
  • A terceirização de atividades é permitida de forma ampla em vários países ao redor do mundo. Alguns exemplos incluem Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália, Alemanha, Holanda e Índia. Esses países possuem legislações específicas ou mais abrangentes que, de uma maneira geral, permitem a terceirização de atividades, desde que respeitem determinados requisitos e regulamentações específicas, a exemplo das garantias introduzidas no Brasil, pela Lei nº 13.429/2017 e CLT. A Lei da Terceirização permite a terceirização de qualquer atividade da empresa, inclusive a atividade-fim, desde que observadas algumas regras e requisitos. No entanto, a terceirização não pode ser utilizada para fraudar direitos trabalhistas dos empregados.
  • Direitos fundamentais dos trabalhadores: Diversos dispositivos constitucionais protegem os direitos trabalhistas, como os previstos nos artigos 7º e 8º da Constituição Federal. Todas as empresas estão obrigadas ao cumprimento desses direitos fundamentais, garantindo que os trabalhadores não sejam prejudicados em seus direitos e condições de trabalho. As contratantes de serviços terceirizados respondem subsidiariamente em relação às prestadoras por quaisquer violações legais ou contratuais a esses direitos. A burocratização e  interferência sindical objetivam remover a possibilidade de terceirização, fenômeno que é conhecido mundialmente por otimizar recursos, tornar os processos mais eficientes, estimular a produtividade e criar empregos em toda a complexa cadeia produtiva de produtos e serviços.
  • Segurança jurídica: O princípio da segurança jurídica está relacionado à estabilidade das relações jurídicas e à previsibilidade das normas. Restrições excessivas e mudanças bruscas na legislação, como aquelas propostas pelo PL 859/2023, podem gerar insegurança jurídica, afetando a confiança dos agentes econômicos e dificultando o planejamento empresarial. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal proferiu importantes decisões relacionadas à terceirização em duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) e uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Na ADC 16 e na ADC 19, o STF reconheceu a constitucionalidade da terceirização da atividade-fim, ou seja, permitiu que as empresas terceirizem suas atividades principais, não apenas as atividades-meio. Essas decisões confirmaram que não há vedação constitucional à terceirização ampla, desde que observados os direitos trabalhistas dos empregados terceirizados. Na ADPF 324, o STF decidiu pela inconstitucionalidade de dispositivos da Lei de Licitações (Lei 8.666/1993) que restringiam a terceirização de atividades ligadas à atividade-fim das empresas públicas e sociedades de economia mista. Com essa decisão, o Tribunal permitiu que essas entidades possam terceirizar não apenas atividades-meio, mas também atividades-fim, desde que observadas as normas trabalhistas. Essas decisões representaram um marco na jurisprudência do STF sobre terceirização, conferindo maior segurança jurídica aos contratantes e estabelecendo parâmetros para a relação entre empresas e trabalhadores terceirizados. No mês de março deste ano, o Supremo Tribunal Federal emitiu decisões de grande relevância que ratificaram a validade dos contratos empresariais de franquias, regidos pela Lei nº 13.966/2019, diante de questionamentos levantados perante a Justiça do Trabalho, reconhecendo a constitucionalidade de relações de trabalho diversas daquelas previstas na CLT.
  • Risco de desequilíbrio nas relações contratuais entre as tomadoras e prestadoras de serviços terceirizados: A imposição de responsabilidade solidária entre a tomadora e a prestadora de serviços pode representar riscos ao equilíbrio contratual, especialmente devido ao risco de passivo oculto. Essa possibilidade de responsabilização direta da tomadora de serviços pode gerar riscos significativos, especialmente no que diz respeito ao passivo trabalhista oculto. A tomadora pode ser surpreendida com ações judiciais movidas pelos empregados da prestadora, demandando o pagamento de verbas trabalhistas não quitadas, mesmo que a tomadora já tenha efetuado o pagamento pelos serviços contratados e tenha fiscalizado o cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias. Isso pode levar a um desequilíbrio financeiro e afetar negativamente a saúde econômica da empresa tomadora de serviços.
  • Restrição excessiva: Ao exigir que a prestadora de serviços tenha um objeto social único e compatível com o serviço contratado, o PL limita a capacidade das empresas terceirizadas atuarem em diferentes setores, prejudicando sua competitividade e sua capacidade de oferecer preços mais competitivos aos contratantes, o que certamente acarretará redução no número de postos de trabalho.
  • Dificuldades de comprovação de exigência técnica: A exigência de demonstração de qualificação técnica, proposta pelo PL, pode gerar dificuldades para as prestadoras de serviço, que podem ter que fornecer uma grande quantidade de documentação para comprovar sua aptidão, o que pode gerar burocracia e ineficiência, sem nenhum benefício para os trabalhadores envolvidos.
  • A proibição de subcontratação de serviços: pode limitar a capacidade das empresas terceirizadas de se adaptarem a novas demandas e de atenderem a contratos de grande porte, prejudicando sua competitividade e sua capacidade de gerar empregos. Em alguns casos, a subcontratação pode ser necessária para garantir a qualidade e a eficiência dos serviços terceirizados. A proibição da subcontratação pode gerar dificuldades operacionais para as empresas terceirizadas e para os contratantes, que podem ter que lidar com problemas de qualidade e eficiência nos serviços prestados.
  • Interferência indevida do sindicato: A participação do sindicato na celebração dos contratos de terceirização representará uma interferência indevida na relação entre a empresa contratante e a empresa terceirizada, prejudicando a autonomia das partes envolvidas. A exigência de divulgar informações como quantidade de trabalhadores, redução de custos e locais de prestação de serviços também pode representar ingerência na decisão da empresa em conduzir seus negócios, uma vez que essas informações são estratégicas e podem ser utilizadas por concorrentes para prejudicar a empresa.
  • Requisitos contratuais: A imposição de cláusulas obrigatórias nos contratos entre tomadoras e prestadoras de serviços representa uma restrição à autonomia das partes, que podem ter diferentes necessidades e interesses e precisam ter liberdade para negociar as condições do contrato. Poderá aumentar os custos das empresas, que podem precisar cumprir exigências desnecessárias ou que não condizem com suas necessidades. Poderá prejudicar a competitividade das empresas, especialmente as pequenas e médias empresas, que podem ter mais dificuldades em cumprir as exigências previstas no PL 859/2023. A obrigatoriedade de inclusão de documentos comprobatórios da regularidade da contratada no contrato pode prejudicar a competitividade das empresas, especialmente as pequenas e médias empresas, que podem ter mais dificuldades em cumprir com essa exigência e acabar sendo preteridas em processos de contratação.
  • A aplicação das normas coletivas da contratante aos terceirizados pode resultar em uma sobreposição de representação sindical e potencialmente prejudicar a autonomia dos sindicatos laborais correspondentes às atividades preponderantes das prestadoras. Isso ocorre porque os terceirizados já possuem uma representação sindical estabelecida. É importante considerar que a negociação das condições de trabalho e a melhoria das normas coletivas devem ser feitas pelo sindicato que representa os trabalhadores envolvidos por força da atividade preponderante da real empregadora, levando em conta as especificidades de cada categoria e setor de atividade.
  • Provisão Financeira: O PL propõe estabelece a obrigatoriedade de as empresas criarem uma provisão financeira para garantir o cumprimento das obrigações trabalhistas, o que também estava previsto no PL 135/2023. No entanto, essa medida é ineficiente, onerosa e injustificada, claramente voltada para desestimular a terceirização, sem oferecer contrapartidas às empresas.
  • Criminalização: O PL propõe a modificação do artigo 149 do Código Penal com aumento de pena caso o crime de redução à condição análoga à de escravo seja praticado por meio de uma empresa que explore a terceirização de mão de obra. Essa alteração é injustificada, pois não torna a prática do crime mais ou menos reprovável quando ocorre por intermédio de uma empresa terceirizada. Isso é indiferente e irrelevante para a caracterização do crime previsto no artigo 149 do Código Penal.
  • O PL 859 careceu de ampla discussão junto às entidades representativas dos diversos setores econômicos e a exclusão dessas entidades do debate resultou em uma proposta legislativa desastrosa, que, mesmo que com remotas chances de aprovação pelo Congresso Nacional, acarretaria uma desindustrialização do país, com empobrecimento geral dos empresários e da população. Não é demais dizer que haveria a condenação do país a um retrocesso à fase agrícola, prejudicando os setores industriais, comerciais e de serviços, que são os principais geradores de empregos diretos e indiretos e responsáveis pelo progresso da economia brasileira.

 

  • EM CONCLUSÃO: O posicionamento do CORHALE em relação ao Projeto de Lei 859/2023 é de completa oposição. As propostas contidas no PL 859/2023, à semelhança dos PLs antecedentes de conteúdo similar (PLS 249/2017 e PLS 339/2016), tem o claro intuito de limitar expressivamente a terceirização no país, não somente para a terceirização das atividades-fim, que resultariam proibidas, mas inclusive para as atividades-meio. Ademais, o PL revela-se desmedido, descolado da realidade e representaria grave ameaça à economia brasileira, além de violar princípios fundamentais que regem a democracia, como a liberdade contratual, a flexibilidade empresarial e o princípio da livre iniciativa, o PL incorre em violações legais, impactos negativos e ameaças à economia.

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