O novo estatuto da pessoa com deficiência – Reflexos nos municípios

A recente Lei 13.146, de 06 de julho de 2015, criou o Estatuto da Pessoa com Deficiência visando a sua inclusão social e cidadania, com base na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificados pelo Congresso Nacional no ano de 2008. A importância desses direitos e a sua contrapartida em deveres estão refletidos nos seus 127 artigos abrangendo múltiplos aspectos urbanísticos e arquitetônicos, trabalhistas, tecnológicos, judiciais e comunicacionais, dentre outros, a serem moldados por políticas públicas e ações da iniciativa privada. A propósito, na realização de inspeções e de auditorias pelos órgãos de controle interno e externo, será observado o cumprimento da legislação relativa à pessoa com deficiência e das normas de acessibilidade vigentes (Art. 93).

Conforme essa Lei, toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação (Art. 4º). Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Art. 2º).

Várias das suas disposições se refletem nos municípios e nas suas administrações, como por exemplo a acessibilidade, definida como: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida (Art. 3º, I).

Consta, ainda, que a pessoa com deficiência tem direito a receber atendimento prioritário, sobretudo, com a finalidade de proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; atendimento em todas as instituições e serviços de atendimento ao público; disponibilização de recursos, tanto humanos quanto tecnológicos, que garantam atendimento em igualdade de condições com as demais pessoas; e, disponibilização de pontos de parada, estações e terminais acessíveis de transporte coletivo de passageiros e garantia de segurança no embarque e no desembarque (Art. 9º, IV).

Além disso, o direito ao transporte e à mobilidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida será assegurado em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, por meio de identificação e de eliminação de todos os obstáculos e barreiras ao seu acesso. Para fins de acessibilidade aos serviços de transporte coletivo terrestre, aquaviário e aéreo, em todas as jurisdições, consideram-se como integrantes desses serviços os veículos, os terminais, as estações, os pontos de parada, o sistema viário e a prestação do serviço. São sujeitas ao cumprimento das disposições desta Lei, sempre que houver interação com a matéria nela regulada, a outorga, a concessão, a permissão, a autorização, a renovação ou a habilitação de linhas e de serviços de transporte coletivo (Art. 46, § 1º e § 2º).

Nos programas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos públicos, a pessoa com deficiência ou o seu responsável passa a ter prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria, observada a reserva de, no mínimo, três por cento das unidades habitacionais (Art. 32). Os hotéis, pousadas e similares devem ser construídos observando-se os princípios do desenho universal, além de adotar todos os meios exigíveis de acessibilidade. Os estabelecimentos já existentes deverão disponibilizar, pelo menos, dez por cento de seus dormitórios acessíveis, garantida, no mínimo, uma unidade (Art. 45, § 1o). As frotas de empresas de táxi devem reservar dez por cento de seus veículos acessíveis à pessoa com deficiência (Art. 51).

No que se refere às compras governamentais também há inovações consideráveis. Nos editais de compras de livros, inclusive para o abastecimento ou a atualização de acervos de bibliotecas em todos os níveis e modalidades de educação e de bibliotecas públicas, o poder público deverá adotar cláusulas de impedimento à participação de editoras que não ofertem sua produção também em formatos acessíveis. Consideram-se formatos acessíveis os arquivos digitais que possam ser reconhecidos e acessados por softwares leitores de telas ou outras tecnologias assistivas que vierem a substituí-los, permitindo leitura com voz sintetizada, ampliação de caracteres, diferentes contrastes e impressão em Braille (Art. 68, § 1º e § 2º).

Também foi criado mais um critério de desempate, em caso de igualdade de condições, que assegura preferência aos bens e serviços produzidos ou prestados por empresas que comprovem cumprimento de reserva de cargos prevista em lei para pessoa com deficiência ou para reabilitado da Previdência Social e que atendam às regras de acessibilidade previstas na legislação. O mesmo critério também poderá ser estabelecido como margem de preferência, a qual admite preço superior em até vinte e cinco por cento em relação aos demais concorrentes. As empresas enquadradas nestas hipóteses deverão cumprir, durante todo o período de execução do contrato, a referida reserva de cargos (art. 104).

As microempresas e empresas de pequeno porte não estão obrigadas a se adequarem às disposições desta Lei, até que sobrevenha um regulamento a respeito, considerando que a elas se aplica o tratamento diferenciado, simplificado e favorecido (Art. 122).

Portanto, o Estatuto da Pessoa com Deficiência traz vários reflexos legais, econômico-financeiros e administrativos no âmbito dos municípios, em grande parte exigíveis num prazo relativamente curto, tendo em conta que esta Lei entra em vigor após cento e oitenta dias de sua publicação.

 

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Roberto Baungartner

Roberto Baungartner

Advogado, doutor em Direito (PUC/SP), vice-presidente do IBDC – Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e integrante do CORHALE.